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CECÍLIA JORGE
Tacho do Diabo
comenta a gastronomia macaense e dá receitas
 
fonte: Revista Macau edições de 1993/1994
fotos da RM sem autor definido

Cozinhas Macaense/Portuguesa: A Diferenca Dilui-se

 

por Cecília Jorge

Revista Macau/Ano II/nº 13/Maio 1993

 

Na imensidade de cores, aromas, sabores e exotismo da comida macaense, não nos surpreende encontrarmos fortes vestígios de receitas enraizadas na tradição portuguesa e transpostas na íntegra para as mesas de Macau.

 

A cabidela - de pato ou galinha - que os macaenses (mas nem todos...) se gabam de deglutir com gosto é, e desde tempos remotos, prato frequente nas mesas portuguesas, sobretudo do norte do país. Aliás, o aproveitamento do sangue (e não só) tem a sua expressão mais marcante nas minhotas papas de "sarrabulho" ou no "sarapatel" madeirense que também constam nos poucos manuais de cozinha macaense e na tradição gastronómica, trazida decerto por quem demandou estas terras longínquas e aqui se demorou tempo suficiente para fazer enraizar um hábito que não está de todo perdido. Mas o arroz de cabidela, também típico do norte de Portugal, é que não parece ter conseguido muitos adeptos entre os naturais de Macau ....embora não se saiba bem porquê.

O pato cabidela, ou melhor Ade Cabidela em patuá macaísta, termo proveniente do português arcaico adem (pato) que, tal como, por exemplo, azinha (depressa), tardou a cair em desuso na comunidade macaense, é o prato mais vulgarizado de entre os que incluem o sangue como ingrediente. Não é apreciado pelos mais sensíveis e/ou resistentes à inclinação vampiresca e é certamente um dos poucos pratos da culinária macaense que, de um modo geral, os chineses não apreciam. E, no entanto, nas chamadas "lojas de sopas de fita" comem sofregamente tigeladas de sangue de pato ou de porco coagulado, cozido em vapor. Mas desfeito em molho? Paparocado? Nunca!

Voltando ao pato, Graciette Batalha, no seu Glossário do Dialecto Macaense refere que se mantinha, em Macau, pelo menos entre as falantes do patuá maquísta, a distinção entre ade e pato,já que o segundo - diz - equivalia a ganso.

Cita, a propósito, o Tractado das Cousas da China e de Ormuz, de Frei Gaspar da Cruz (1570), em que este descreve uma típica estação fluvial de criação de patos como embarcações que tinham ... h~uas asas feitas de caniçada (...) nas quais agasalham dous ou três mil adens (...) e porque nem sempre pelo tempo acertam de ficar alg~uas que se nam recolhem, ha por todas as partes muitos bandos de adens brabas, e ho mesmo ha de patos ( Capo IX, na reedição de 1937).

Quando o missionário dominicano, que viajou cerca de dois anos na China,fala da fartura da terra e de sua abundança (Cap. XII) diz também que havia muitas galinhas, muitos patos, infindas adens (...).

Neste interessantíssimo relato Gaspar da Cruz salienta que os chineses tinham muito e muito bom trigo com o qual aprenderam a fazer muito bom pão com os portugueses. O dominicano refere, ainda, que os chineses faziam dos porcos muito singulares lacões, de que levam muita copia os Portugueses pera india quando Ia vam por via de trato. Que grande festança.

A diferença, na receita de cabidela praticada em Macau residirá talvez no facto desta dispensar o azeite de oliveira e incluir açafrão. Mas comum será, decerto, a inclusão dos cominhos, que se afirma dever temperar sempre pratos de cabidela.

Outra receita que dá um toque português a qualquer mesa é a que incluímos nesta edição do "Tacho do Diabo": trouxas de carne, ou, como também é por vezes chamada, couve embrulhada. Não é uma receita muito remota, antes pelo contrário. Mas é frequente encontrá-Ia numa mesa macaense. Distingue-se do prato caseiro original, vulgaríssimo em Portugal, das couves recheadas com salsichas frescas, porque aqui é sempre feito com carne picada (de porco ou de vaca) e geralmente temperada com molho de soja (vulgo sutate, no jargão culinário macaísta).

O refogado de tomate em que as trouxas cozem manteve-se sem alteração a dar o indispensável molho apurado que "afogará" o arroz branco, comido com colher e garfo.

E não será de mais recordar que a introdução do tomate nos hábitos culinários dos chineses (pelo menos nesta região meridional da China onde Macau se insere) é atribuída aos portugueses, havendo duas designações para este fruto no dialecto cantonense, falado em Macau: fàn-ké (pomo estrangeiro) e tai-má-ti (intraduzível) esta última de óbvia inspiração portuguesa mas em franco desaparecimento com o crescente influxo de imigrantes de outras regiões chinesas.

Chame-se como se chamar o tomate, frito ou guisado, encontra-se em algumas receitas tradicionais da cozinha cantonense (refiro-me, claro está, à caseira), ou como ornamento.

Uma das explicações mais interessantes para tal facto, que uma breve sondagem de opinião entre chineses nos trouxe, foi a da importância da cor, ou seja a presença bonita, e sobretudo auspiciosa, duma cor que os chineses tanto prezam: o vermelho.

Se juntarmos à já famosa máxima dos mestres chineses de cozinha os primeiros a comer são os olhos, a franca sensaboria que oferecem tomates criados nas hortas chinesas (não acrescentando decerto nada ao sabor do prato) não custará muito a aceitar tal hipótese...

TROUXAS DE CARNE

(enroladinhos de carne/Brasil)

carne de porco (picada)      250 gr

sutate claro (shoyu/molho de soja)    1 colher sopa

fécula de milho                 1 colher chá

couve (Iombarda ou branca) 8 folhas

tomate maduro                 3

cebola (picada)                1

cebolinho (picado)

folha de louro

alho (cortado)

óleo (ou banha)

sal, pimenta,                     q.b. (a gosto)

 

Lavar e amolecer as folhas de couve em água a ferver. Deixar escorrer e esfriar.

Temperar a carne de porco com (pouco) sal, pimenta, molho de soja, fécula de milho e uma colherinha de óleo. Misturar com o cebolinho.

Fazer trouxas com a carne picada e as folhas de couve, prendendo a ponta solta com um palito.

Num tacho, fazer um refogado de cebola e tomate, com a folha de louro, alho picado, sal e pimenta e colocar as trouxas que cozem em lume moderado durante cerca de 20 minutos, voltando-as uma vez, com cuidado.

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ADE CABIDELA

 

pato                      1 (aproveitando-se o sangue)

açafrão                  1/2 colher chá

cebolinho (picado)

batatas (médias)      4

vinagre

folha de louro

cominhos

pó de coentros

óleo (ou banha)

sal, pimenta            q.b. (a gosto)

 

Arranjar o pato e cortar em oito bocados (pedaços). Temperar com sal, pimenta e açafrão e deixar absorver os temperos. Diluir o sangue com (pouco) vinagre.

Aquecer o óleo em lume moderado e alourar o cebolinho com uma pitada de cominhos, coentros e açafrão, sem deixar queimar, e juntar os pedaços de pato, fritando-os um pouco antes de adicionar água suficiente para cozer.

Entretanto, fazer o molho de cabidela, esturgindo o sangue em óleo, sal, pimenta, a folha de louro e um pouco de açafrão.

Assim que o pato estiver tenro, juntar as batatas descascadas e cortadas em quartos. Juntar o molho de cabidela só no final, misturando bem.

(As batatas, uma vez cozidas também podem ser retiradas do lume e aloiradas em óleo, voltando para a panela na altura em que se junta o molho de cabidela).

ceciliajorge.adecabidela.jpg

divulgação 07/Fev/2010