O INCONFUNDÍVEL JOHNNY REIS

Rádio Vila Verde

de Cecília Jorge

Revista Macau Junho de 1998




João Sameiro Afonso Reis Johnny Reis, para a comunidade macaense que o “adoptou” — prepara-se para a reforma ao sol do Algarve, a ocupar-se da neta predilecta.  Ao fim de trinta anos, completados em 1996 como “músico” semi-profissional, além da Função Pública, vai sobejar-lhe tempo para descansar e recordar peripécias na cena do “show-bizz” local, algumas já referidas no artigo de Rigoberto do Rosário que a Revista MacaU publica.  Natural de Braga, veio para Macau em 1939 numa comissão de serviço do pai que acabou por se prolongar por causa do deflagrar da II Grande Guerra e posterior entrada do pai para o Corpo da PSP. Foi adiando o gozo da licença a Portugal e o seu primeiro regresso à terra natal, de onde saíu ainda criança, deu-se só em 1993. Considera-se “macaense”. “A música ajuda as pessoas a viver a vida”, refere ao explicar a estreita ligação (sua e dos seus “conterrâneos”) a esta forma de passar o tempo.

Com a mesma voz de timbre quente, com que encantou quem o ouviu cantar durante tantos anos em nights-clubs, festas e festivais, e foi apresentando programas radiofónicos e noticiários, diz-nos que a memória o trai quando quer referir datas e alguns nomes. Mas se o diálogo se proporcionar, as cenas avivam-se e a “voz” também, com a fluência das palavras que nunca se deixaram contaminar pela pronúncia típica de Macau.

No início da aventura musical — mais ou menos em 1966, ainda a Rádio Vila Verde se situava na esquina da Francisco Xavier Pereira , Johnny, Nuno e Alberto Senna Fernandes, Tony Hyndman, Sonny Gomes e Kenny Barnes entretinham-se a “fazer música”. Nessa altura, os dois últimos, mais profissionais, marcavam o ritmo “batendo as palmas”… Os agrupamentos mais certinhos vieram depois, como os uniformes: com camisas axadrezadas com faixas “à toureiro”, a princípio, depois blazers, cinzentos, e mais tarde vermelhos. (Os “Rockers”, assinalados com o monograma R, e os “Four Aces” com quatro ases, de naipe diferente para cada componente).

Tocaram em todos os locais onde era possível tocar — recorda hoje Johnny Reis. Tocavam igualmente todos os instrumentos em que pusessem as mãos, apreendendo todos “de ouvido” e uns com os outros…

A carestia de vida e do equipamento levou inclusivamente a que, uma vez, a avalizar um empréstimo pedido a Guilherme Silva, gerente da Pousada de Macau, para compra dum xilofone, providenciassem música de dança no seu restaurante durante uns tempos.

Mas, se foram muitas as actuações do grupo, que mudou mais de nome do que de componentes — tocando no Hotel Riviera, no Bela Vista, no Estoril, na Pousada de Macau, no “Helena” que ficava na Ponte-Cais nº 16, em todos os Clubes e Associações, no Clube Recreio e até no Indian Club de Hong Kong, mais foram as oportunidades perdidas. Tratando-se de funcionários públicos que se agrupavam pelo gosto da música, pelo prazer de entreter amigos e um público animado, e para complementar o salário, as limitações da pesada burocracia dos anos 60 e 70 impediram-nos de “voar mais alto”.

Johnny ainda hoje lamenta não terem podido aceitar um convite do “Paramount” de Hong Kong para substituirem “Giancarlo and his Combo” naquela boite de luxo ou mesmo noutras actuações em Hong Kong. E Mário Sequeira lembra-se dos problemas , depois da transferência para “a outra banda” (Ilha da Taipa), com autorizações para ir a Macau actuar em festas, ou por exemplo no Macau Palace. Transportes, só em tancares ou barcos condicionados à maré. Mas vezes houve também que a timidez e relutância dos camaradas do grupo os impediu de actuar em programas de grande audiência da Televisão de Hong Kong. Estreou-se na emissora VilaVerde, que começou a funcionar em 1948 com Johnny Alvares como engenheiro de som e seu irmão Walter Reis, locutor. 

Acabara de sair da tropa. E apresentou programas como os “Hit Parade”, “Yours for the Asking” (em inglês) e os “Request”, de grande audiência, porque dias havia em que o carteiro despejava na emissora quilos de cartas com pedidos de discos e se preenchiam 5 folhas A4 com dedicatórias de cada canção. Eram tantas e tão fiéis as radiouvintes que chegou a ser necessário apaziguar pais que julgaram atentatório do bom nome das filhas a frequência alarmante de dedicatórias públicas dos (múltiplos) enamorados. Alegavam forte “distracção em horas de estudo”. E o meio-termo foi a proibição de inclusão de apelidos. 

A voz de Johnny era inconfundível. E contudo, quando uma vez, em desespero de causa, quis evitar o pior no seu programa “Disco-Mistério” (oferta de discos de 45 rotações a quem identificasse o vocalista), e cantou com música de fundo, não houve um único ouvinte que o reconhecesse. É claro que disseram ser batota… mas o certo é que já pesava estar a custear ele próprio os prémios, quando lhe faltou o financiamento prometido. Graça teve também aquela vez quando, habituado a improvisar, e depois de anunciar o início da transmissão do “Terço do Bairro”, teve que fazer as vezes do sacerdote que faltou.

Era indiscutivelmente um bom profissional da rádio, pela experiência, pela dicção, pela voz, pela presença, e simpatia contagiante. Lembra-se das últimas locuções na Vila Verde, quando durante os incidentes de 1966 teve que ler comunicados oficiais à população na qual se minimizava a situação, ao mesmo tempo que, pela janela aberta do estúdio se ouviam disparos e o tiroteio na cidade. O canal em língua portuguesa encerrou pouco depois.  E Johnny passou a funcionar na ERM, localizada na torre do edifício dos CTT. C.J.

na foto acima, após Roque Choi, a pessoa é Jorge Estorninho

As 3 últimas imagens são do livro Meio Século em Macau de J.J.Monteiro e Instituto Internacional de Macau - nossos agradecimentos

extensivos à Revista Macau e Cecília Jorge


Publicação Setembro de 2011