ADÉ, AD AETERNUM


Revista Macau, Maio 1994

II Série nº 25

(autoria não atribuída claramente na revista

pode ser de Cecília Jorge ou Beltrão Coelho, ou?)

 

Quando José (Adé) dos Santos Ferreira morreu, em 1993, quase se generalizou a ideia de que, com ele, tinha desaparecido de vez. o patoá. Mas não: a sua morte como que sacudiu a letargia em que se encontrava a comunidade de filhos da terra.  E o esforço do Adé – a dedicação de uma vida afinal – não terá sido em vão.

 

JOSÉ INOCÊNCIO DOS SANTOS FERREIRA nasceu a 28 de Julho de 1919 — o último de 18 filhos de Florentina Maria, viúva e casada, em segundas núpcias, com Francisco dos Santos Ferreira, um beirão de Seia (pai de Adé).

 

Órfão de pai aos cinco anos, o pequeno Adé conhece uma infância difícil. Depois de aprender as primeiras letras, aos sete anos, com uma velha mestra macaense, frequenta a escola primária num casarão na Calçada do Gamboa e recebe duas refeições diárias da solidariedade social.

 

Em 1931. matricula-se no Liceu, mas as dificuldades financeiras fazem-no abandonar os estudos ao 5° ano. Aos 17 anos de idade,consegue o seu primeiro emprego, de amanuense nas Obras Públicas, com o salário mensal de 30 patacas.


Depois de ter cumprido o serviço militar (1939-40), volta a ser mobilizado, quando estala a Guerra do Pacifico, e cumpre mais seis meses de tropa.

foto acima e outras 2 mais abaixo:  Adé "travestido" em Nhum Bêlo, a última récita que levou à cena no Teatro Dom Pedro V (1977)


Em 1956, "regressa" ao Liceu, agora como chefe da secretaria, e faz uma autêntica "cruzada" em defesa dos estudantes de menos posses, conseguindo para muitos deles isenção de propinas (a que ele próprio nunca tinha tido direito, enquanto estudante) e outros benefícios da assistência social.

As preocupações humanitárias e sociais marcariam, depois, a sua passagem pela STDM (SociedadedeTurismo e Diversões de Macau), o seu emprego de sempre depois que se reformou da função pública, em 1964, tendo levado a empresa dirigida por Staniey Ho a instituir bolsas para estudantes.

 

Remontavam já aos tempos em que era chefe de secretaria do Liceu, as suas colaborações nos jornais de Macau; primeiro, dispersas, e, com o correr do tempos, cada vez mais intensas. Integrou a redacção do Notícias de Macau e foi chefe de redacção de O Clarim, semanário católico, e dos diáriosComunidade e Gazeta Macaense. Foi ainda correspondente de vários periódicos da república (Diário de Notícias, Diário do Norte, Diário Popular, Volante); do China Mail de Hong Kong e da agência norte-americana Associated Press.              

 

No plano desportivo, Adé foi praticante de várias modalidades. Do futebol ao atletismo, passando pelo ténis, Santos Ferreira notabilizou-se particularmente no hóquei em campo, tendo integrado, ao longo de doze anos, a selecção de Macau desta modalidade, bem do agrado da comunidade macaense.

 

José dos Santos Ferreira foi também a "alma" de uma miríade de actividades desportistas, culturais e recreativas, e esteve à frente, ou na fundação, de diversas associações desportivas de Macau; tudo isto paralelamente à sua profícua produção literária, sobretudo em dialecto macaísta. Além disso, foi, na sua geração, o grande animador das noites de teatro e récitas macaístas do D. Pedro V, como se dá conta noutro artigo desta edição.

 

Nos anos 80, a TDM (rádio e TV) produziu uma série de programas sobre o patoá e Adé dos Santos Ferreira foi, naturalmente, a sua voz e imagem.

 

Perfeccionista e obstinado, simples e autêntico, coerente e generoso — adjectivos tirados ao acaso de depoimentos —, Adé mal conseguiu disfarçar a sua amargura com o destino que, em meados da década de oitenta, se desenhou para a sua terra.


 

José dos Santos Ferreira deixou o mundo dos vivos a 24 de Março do ano da graça de 1993, vítima de um enfisema pulmonar, após prolongado internamento numa clínica de Hong Kong. Ainda não tinha completado 74 anos de idade.






Publicação Junho 2011