O Restaurante Cecília
Por
José A S Neto
Na década “dourada” de Macau – os anos cinquenta do século passado – um dos “ornamentos”
da cidade era, para o bem e para algumas maldades inconsequentes, a profusão de fardas de caqui dos militares do exército
português.
Os oficiais, sargentos e praças, classes bem distintas e compartimentadas, depois das suas obrigações de serviço cumpridas,
espalhavam-se pelos quatro cantos do burgo e tinham sítios certos como pontos de encontro.
Para encontrar “todo o mundo” servia o Largo do Leal Senado e a Avenida Almeida Ribeiro, mas para um determinado
tipo de interesses comuns a grupos mais ou menos restritos havia os Cafés e Restaurantes.
Eram autênticas “tertúlias” onde o estar e conversar se sobrepunha ao comer e beber.
Um desses lugares de eleição, para Praças e alguns Sargentos, era o Restaurante Cecília, situado na parte mais alta
da Rua Pedro Nolasco da Silva, logo a seguir e do lado contrário ao Hospital de S. Rafael, para quem vai da Rua do Campo.
Era propriedade da família Quevedo da Silva e o nome do estabelecimento vinha da filha mais velha, a D. Cecília, que
era funcionária pública e só lá aparecia de vez em quando. Tal como um irmão Roberto que andava na marinha mercante.
O “Papá e a Mamã” (era assim que eram tratados pelos frequentadores) geriam com infinita paciência o negócio
de comidas e bebidas retintamente portuguesas.
O cliente mais ilustre e estimado da casa era o senhor Padre Sarmento.
Ao cair da tarde apeava-se do “riquexó”, tirava o seu capacete
de “caçador de leões” e, enquanto saboreava o chá, conversava com a rapaziada evidenciando uma jovialidade digna
de inveja. Divertia-se imenso a desmontar e contrapor os subentendidos maliciosos das conversas dos mais atrevidos que o acicatavam,
só para o ouvir.
A Fina (Delfina) tomava conta da escrita, um tanto trabalhosa porque a maior parte da clientela utilizava o “aponta’í”
e pagava no fim do mês.
Além disso escolhia a música ambiente (era mais Pat Boone que Elvis Presley) e aturava, com uma delicadeza muito própria
e dissuasora, os dichotes da meia dúzia de paixões serôdias que eram conhecidas e “gozadas” pela malta.
O maior acontecimento do restaurante foi a aquisição e instalação da primeira “mesa de matraquilhos” em
toda a Ásia. (O Guiness não regista o facto, mas aqui fica o testemunho para a posteridade).
Não é só para que conste que trago os “matraquilhos” à conversa.
Os outros dois irmãos da Fina, o Johny (João) e o Tchito (Gilberto), na altura jovens estudantes, em pouco tempo tornaram-se
imbatíveis naquele jogo.
Apareciam os maiores “craques”, campeões da Mouraria e arredores, com truques complicados e anos de treino
na Feira Popular de Lisboa, e levavam cada “cabazada”!!!
A sua táctica consistia em fazer perder a paciência aos impetuosos adversários e, com a habilidade característica do
“seu lado chinês”, empurrar a bola de mansinho para o golo.
Bons tempos, meus amigos… Que saudades!!!