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AOS LEITORES

 

Este livro é dedicado a todos os corações que amam verdadeiramente Macau. Terra por Deus abençoada, Macau, jóia preciosa que Portugal engastou nestes confins do Mundo, precisa hoje, mais que nunca, de ser amada, acarinhada e compreendida.

Enlevo do nosso coração, Macau, pequenina e graciosa, gentil e acolhedora, está prestes a perder algo de muito importante que religiosamente guardou através da sua existência quatro vezes secular - a sua própria identidade como filha de Portugal.

A Cidade do Nome de Deus foi sempre olhada com carinho por muitos dos que tiveram o ensejo de compartilhar as suas alegrias, nas horas felizes, e sentir os embates das suas vicissitudes, nos transes difíceis. É certo, é triste ter ela sido também, e não poucas vezes, tratada com assomos de arrogância e insinceridade, levianamente lograda por espíritos interesseiros que dela se têm servido para alimentar ambições desmedidas. Os espíritos mesquinhos vêm movidos pela ganância, colhem avidamente os frutos cobiçados e regressam fartos, falando, ainda por cima, mal da terra e das suas gentes. Desses, porém, nos devemos esquecer, diligenciando por apagar da memória laivos de façanhas repugnantes.

MACAU, JARDIM ABENÇOADO é um livrinho simples e despretensioso, como o são, afinal, a terra de sonhos e o bom povo de quem fala. Tudo que há nele, página a página, de verso em verso, foi ditado pelo coração, escrito com o amor que Macau nos inspira em todos os momentos e actos da nossa vida.

 

Macau cristã,

Minha única riqueza,

Meu tudo na vida...

 

O maior bocado deste volume é apresentado na doce

"língu maquista ", esse aliciante dialecto antigo criado pelos nossos maiores e que constitui, sem dúvida, uma das mais características tradições desta terra repassada de glórias e sentimen¬tos cristãos, bem orgulhosa da Pátria que jurou amar para todo o sempre,

 

Pátria de santos e heróis,

De bravos homens do mar,

Que é, afina-se com orgulho,

O Portugal querido de todos nós!

 

Nas primeiras décadas deste século, o dialecto macaense já então vulgarmente conhecido por "patois" - ainda era falado no seio de não poucas famílias de Macau. Na nossa infância não só ouvimos com frequência como também chegámos a falar "maquista chapado" com os entes mais chegados e outras pessoas idosas das relações de nossa família.

O dialecto caiu em desuso, em Macau, a partir dos anos 30.

Porém, noutras cidades do Oriente, sobretudo em Hong Kong e Xangai, onde inúmeras famílias macaenses se haviam radicado, o idioma macaista continuou, durante mais alguns anos, em uso, enriquecido com vários termos adaptados por influência da língua inglesa.

Hoje, mesmo em Macau, ainda há velhinhas amorosas que falam, entre elas, o idioma de que não querem desprender-se. Mas são poucas essas flores do jardim macaense dos tempos alegres.

O mavioso dialecto entrou em vias de completa extinção. Dentro de escassos anos, dele nada mais restará senão uma pálida lembrança, como o tanger nostálgico duma suave melodia cheia de reminiscências. Será então talvez, que este livrinho e outros e outros pequeninos trabalhos por nós trazidos a lume começarão a ser acolhidos como coisa útil deixada à posteridade.

É com este pensamento que hoje nos damos por felizes com a oferta que fazemos a Macau. Jardim Abençoado, terra de encantos que nos foi berço, de mais um contributo nosso para a divulgação do seu fascinante dialecto antigo.

 

José dos Santos Ferreira (o autor)

Edição do Instituto Cultural de Macau – 1988

Capa: Ung Vai Men

 

Macau, beleza dos meus olhos,

Sol da minha vida...

De nós os dois

Qual abalará primeiro, não sei dizer: Se eu,

Deste triste vale de lágrimas,

Com todos os meus pecados,

Se tu

Da grande Família Lusitana,

Com a tua obra inacabada.

 

As recordações são os únicos belos astros que adornam a noite da velhice.

A. F. de Castilho

 

Patuá

 

MACAU PEQUININO

Iou-sa tera,

Iou-sa bérço,

Amor vivo di iou-sa coraçám;

Macau pequinino,

Filo di unga Pátria grándi.

 

Macau pequinino,

Tera di um-cento glória,

Qui tamêm já churá

Lágri margo di tristéza;

Macau qui na mau tempo,

Na ora di calmaria,

Sempri têm na su coraçám

Acunga quirido di tudo nôs:

PORTUGAL!

 

Portugal,

Di más grándi na Estória di Mundo,

Di más cristám na Mundo Cristám...

Pátria di gente corajoso,

Qui cruzá mar medonho,

Já vai tera estranho,

Cavá, vêm estuhga vánda,

Assi lóngi,

Criá vôs,

Fazê vôs cristám,

Fazê vôs ganhá bénça di Céu.

 

Macau cristám,

Iou-sa único riquéza,

Minha tudo ancuza na vida.

Tera di Nómi Sánto

Qui Mai di Deus, co ternura,

Cubrí co Su quimám di séda.

Vôs já conservá atê hoze,

Livrado di sujidádi,

Tudo puréza di vôsso alma.


Macau, beléza di iou-sa ôlo,

Sol di iou-sa vida...

Qualunga di nôs dôs

Lôgo vai más aZinha, iou nom sabe: Si iou,

Di estunga váli di lágri,

Co tudo iou-sa pecado,

Si vôs,

Di grándi Família Lusitano,

Co vôsso obra meo-ramatado.

 

Intrestánto, Macau,

Bérço abençoado,

Farol alumiado di iou-sa fé;

Dessá iou vêm pedí co vôs:

Qui na chuva, qui na dia bonito,

Na alegria, Ó na tristéza,

Guardá sempri na vôsso coraçám,

Quente, respetado,

Nómi di nôsso quirido Portugal.

 

Prendido na vôsso alma,

Guardá co tudo cuidado

Riquéza di bénça sagrado,

Qui Dios já fazê cai di Céu Pa alumiá vôsso vida,

Sedo trás di sedo.

 

Sã tudo qui iou pedí co vôs,

Co fervor,

Co humildádi,

Co acunga humildádi qui sã vôsso image,

Qui já fazê vôs filo bêm quirido

Di Portugal,

Di Dios.

 

 

tradução
 

MACAU PEQUENINA

Minha terra,

Meu berço,

Amor ardente do meu coração;

 Macau pequenina,

Filha de uma Pátria grande!

 

Macau pequenina,

Terra de glórias

Que também já chorou

Lágrimas amargas de angústias;

Macau, que na tempestade,

No tempo de bonança,

Jamais deixou de aconchegar no coração

O querido de todos nós:

PORTUGAL!

 

Portugal,

Dos maiores na História do Mundo,

Dos mais cristãos no Mundo Cristão...

Pátria de gente destemida

Que, cruzando mares temerosos,

Demandou terras estranhas,

Veio a estas paragens longínquas,

E te criou e te fez cristã,

Para ti granjeando bênçãos do Céu.


Macau cristã,

Minha única riqueza,

Meu tudo na vida;

Urbe de Nome Santo

Que a Mãe de Deus, com ternura,

Cobriu com o Seu manto de seda.

Tu conservaste até hoje,

Isenta de nódoas,

Toda a pureza da tua alma.

 

Macau, beleza dos meus olhos,

Sol da minha vida...

De nós os dois,

Qual abalará primeiro, não sei dizer: Se eu,

Deste triste vale de lágrimas,

Com todos os meus pecados,

Se tu,

Da grande Família Lusitana,

Com a tua obra inacabada.

 

Entretanto, Macau,

Berço abençoado,

Farol luminoso da minha fé;

Deixa que teimplore:

Quer chova, quer faça tarde linda,

Na alegria ou na tristeza,

Guardarás sempre no teu coração,

Aquecido, respeitado,

O nome do nosso querido Portugal.

 

E presa à tua alma,

Conservarás com o maior desvelo

A riqueza da bênção sagrada

Que Deus fez derramar do Céu,

Para te iluminar a existência,

Através destes quatro séculos.


É quanto te peço,

Com fervor,

Com humildade,

Com aquela humildade que é teu apanágio,

E que fez de ti filha estremecida

De Portugal,

De Deus.