Uma das melhores “colas”, das mais fortes e sólidas, para manter
unidos estilhaços de uma comunidade é a partilha de um passado comum. São coisas aparentemente sem importância, os nossos
pontos de referência, o bairro de cada um, que inclui os vizinhos, mas também os amigos (de outros bairros) que os frequentavam:
São Lourenço, Sé, São Lázaro,Baixo Monte, Toi San …ou Tap Seac.
Partilham-se as alegrias,
as tristezas, os carnavais e as festas memoráveis. Contam-se, e recontam-se aos filhos, ‘estórias’ ou menos divertidas
e engraçadas. De figuras que toda a gente conhece, às vezes pelos nominhos e alcunhas. Personalidades que a maioria só fixou
pelo apelido … ou pelas manias. As guerrilhas e o bairrismo, o orgulho e a solidariedade – tudo passa a ser tão
comezinho, quando se olha a uma distância de quase meia vida.
Tudo é visto e repassado,
quando se junta um grupo de amigos, com uma abertura imensa, que ao macaense, numa das suas melhores características, serve
para divertir. E aí aparece, naturalmente, nem que seja um sorriso divertido, ou então a gargalhada sonora … a acabar
com pequenas hostilidades.
Gostava que olhassem
para este “resumo” da história dos Thunders como um relato que se conta numa roda de amigos. Com amizade, com
o gosto de quem quer transmitir aos outros – ainda que não completamente – o que terá sido ter uma banda pop em
Macau dos anos 60-70 … e tentar ser famoso.
Sonhos de juventude aliados
a muita força de vontade, e muito engenho, aliados a muito talento. Jovens que fizeram por dar o melhor, com as poucas armas
que tinham.
Não havia educação musical
(ou melhor…já tinha deixado de haver há muito tempo) e todos os músicos
“tocavam de ouvido”, e iam ensinando uns aos outros. O dinheiro escasseava … e partilhavam-se os instrumentos
que havia. Era normal nas festas as bandas passarem os instrumentos aos que iam actuar a seguir, para poupar recursos.
Talvez isso ajude a situar
o verdadeiro significado da popularidade dos Thunders, nos anos 1968 a 1972.
Era música ‘pop’, e chamaram-lhe os musicólogos entre outras designações, ‘bubble-gum music’ …
Os mais jovens aderiram quase a 100 por cento a uma vaga musical nesta região que, salvaguardadas as diferenças … de
desenvolvimento e de marketing em países mais avançados, veio a produzir por exemplo, os Beatles.
Outros grupos marcaram-nos
as memórias em Macau. E deles falam-nos mais as conversas em rodas de amigos do que os jornais, que na altura tratavam de
outras questões. Os Thunders, bem vistas as coisas, deixaram-nos ficar composições originais … em Português e em Inglês,
que ainda hoje a maioria consegue trautear. Ofereceram-nos a alegria de termos conseguido – “termos”, no
sentido colectivo – triunfar em Hong Kong.
Pequenas vitórias,talvez,
mas ainda assim… difíceis ! Mas deixaram-nos sobretudo a certeza de que o nosso passado têm referências: em imagem,
em letra de jornal, em música, em emoções que nos unem.
A nova versão das suas
mais conhecidas composições, gravadas em 2004, são por isso mesmo, uma renovação das recordações … num formato mais
acessível, para melhor partilha:em cd.
Mas quem tiver os temas
originais em discos de vinyl… guarde-os religiosamente, como herança … já são raridade.
Lanço a cada um dos Thunders
o desafio de escreverem eles próprios um romance a contar o que foi ser músico, e ser jovem naquela altura.
Teria imenso interesse.
Deixo-vos com os
Thunders.
Cecília Jorge
Macau, 5 de Dezembro, 2004