Trasmontano
– Símbolo de Longevidade Macaense
artigo
de
Alberto Alecrim
publicado na Revista MACAU nº 24 – Junho de 1990
Há sessenta e um anos, precisamente
a 29 de Junho de 1929, fundeava no porto de Hong Kong, um navio da marinha mercante alemã, trazendo a bordo um contingente
militar a fim de render alguns efectivos da guarnição de Macau.
Manuel António Ferreira, jovem trasmontano de 21 anos de idade, natural de
Grijó de Parada, fazia o seu baptismo marítimo com destino a uma terra, ao tempo, pouco falada e quase despercebida da então
chamada Metrópole.
A Companhia de Metralhadoras,
aquartelada na Fortaleza de S. Francisco, seria a sua casa durante oito anos, e com muitos outros, quando passou à disponibilidade,
em Macau se deixou ficar, sendo presentemente um dos portugueses radicados mais antigos em permanência.
Em 1938, Manuel António Ferreira,
ingressa na Polícia Marítima e Fiscal, mas volvidos quatro anos, deixa a ''Polícia do Mar" - nome como os mais antigos referenciam
a corporação marítima - incorporando-se na, Polícia de Segurança Pública, reformando-se em 1967 com o posto de comissário.
Recorda-se, quando fazia parte
das fileiras do Exército, que a vida era dura, aliás como aconteceu na Polícia, entrando frequentemente de prevenção, devido
à guerra na China, mas ao mesmo tempo maravilhosa com as 37 patacas do pré a fazerem face ao custo de vida, embora mal chegando
para ramboiadas, porque militar não graduado contentava-se em ouvir os sons musicais vindo dos "dancings" dos hotéis Central
e Koc Chai, que ainda se situam na Av. Almeida Ribeiro.
Almoço ou jantar bem servido
e regado, na "Vencedora" ainda a funcionar na Rua do Campo ou no restaurante "Estados Unidos", defronte do Central, ficava
por menos de 50 avos, quantia que hoje mal chega para comprar um selo de correio, com uma galinha à cafrial a não ultrapassar
a mesma importância.
Macau, nesses belos tempos orgulhava-se
de ser a ''Pérola do Oriente", não só pela sua beleza paisagística, como também por se considerar uma cidade, tal como a actual
Singapura: a mais limpa "e bonita do sudeste asiático.
Veio a guerra sino-nipónica
e esta "cidade maravilhosa" ,começou a passar maus momentos, agravando-se mais tarde a situação com o deflagrar bélico que
absorveu toda a região do Pacífico. Do outro lado das Portas do Cerco, chegavam vagas de refugiados com a fome a alastrar
como lava de vulcão, lembrando-se o comissário Ferreira, dos mortos que apareciam pelas ruas da cidade, alguns deles com o
corpo retalhado, servindo essas faltas para completar o "menú" dos comensais dos tascos que não podiam suportar os preços
pedidos pelos animais de matadouro!
A presença militar japonesa
que dispunha em Macau de uma "sucursal" do seu quartel-general em campanha e estacionado para além das Portas do Cerco, criava
também problemas às autoridades portuguesas, com o governador Gabriel Teixeira a mostrar firmeza perante a arrogância esporádica
dos "intrusos" e o corpo policial sob o comando de Ribeiro da Cunha, a sentir-se como ''peixe na água" quando tocava a disciplinar
os prevericadores.
O comissário Ferreira, nesses
longínquos tempos, ainda com guarda, foi várias vezes protagonista de momentos difíceis que fizeram perigar a sua vida. No
Hotel Central, o "bem bebido" adido naval nipónico provoca distúrbios que levaram à intervenção da autoridade, mas a dada
altura o oficial japonês empunha a pistola com o fim de atingir o agente policial, mas graças ao sangue frio de António Ferreira,
os ânimos serenaram e o ambiente voltou à normalidade com a retirada do provocador.
Noutra ocasião em plena Rua
Pedro Coutinho, a poucos passos do quartel general japonês, outro incidente acontecia, quando militares do Império do Sol
Nascente sem justificação e falta de autoridade para tal, levavam preso sob a ameaça das armas, um chefe da policia, vendo-se
este trasmontano de gema, mas macaense por adopção, obrigado a disparar uma rajada de metralhadora, no intuito de libertar
o seu camarada, o que aconteceu, mas a retaliação não se fez esperar com o arremesso de uma granada de mão. A granada não
explodiu e assim, hoje temos vivo e são, possuindo uma genica invejável, o comissário Ferreira para nos contar os bons e maus
momentos vividos nesta terra, onde se casou e constituiu família.
Com 83 anos de idade a completar
no próximo mês de Julho, ainda trabalha como no auge dos 40 anos, porque a sua pensão de aposentação levou um trambulhão quando
inventaram os índices salariais, mas como foi moldado em rija tempera, o desânimo nunca fez parte da sua maneira de estar
na vida. É mais um dos portugueses que se levanta antes do cantar do galo e no seu passo ligeiro e cadenciado percorre a zona
circundante à sua residência a fim de manter a excelente forma física que causa inveja aos de menos idade.
Possui outro "paimarés" que
só poucos se podem vangloriar: dezasseis governadores constituem a sua panóplia de muitos anos de permanência em Macau e como
curiosidade diremos que se recorda do nome de todos eles, mas com o aproximar de 1999, pensa regressar para lá do Marão, onde
mandam os que lá estão, ou noutro lugar mais a sul mas próximo de Trás-os-Montes, onde possa levar uma velhice sem preocupações
políticas.
Em 1981, como prémio da sua
longevidade macaense. foi convidado mais a esposa para representarem Macau no Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Portuguesas, que teve como sede das comemorações a cidade do Funchal.
*Revista MACAU era uma edição
do Gabinete de Comunicação Social do Governo de Macau em 1990, sendo seu director na época, Miguel Lemos. O autor Alberto Alecrim fazia parte da Redacção. As fotos abaixo foram publicadas no artigo.