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Malaca

Malaca, cidade portuária situada no território que hoje pertence à Malásia, foi conquistada pelos portugueses em 1511. A comunidade luso-malaia que se criou, desenvolveu a sua própria língua, o crioulo papiá kristang, uma mistura do malaio com o português. Papiá vem do verbo português papear (=falar, tagarelar).  Kristang vem do cristão.  Papiá kristang quer dizer “língua de cristão”.  Hoje o crioulo de Malaca é falado por uma comunidade de cerca de mil pessoas que praticam o catolicismo e se dedicam à pesca.  O papiá kristang também é falado em Singapura, por uma comunidade descendentes de imigrantes vindos de Malaca.  Segundo os lingüistas, o kristang é a última variedade de crioulo português dotada de vitalidade no sudeste asiático. (conforme transcrito na tela Português no Mundo, no Museu de Língua Portuguesa em São Paulo, Brasil)

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Igreja de S.Francisco Xavier em Malaca

Encontros Portugueses de Malaca

 

Armanda Rodrigues

Revista Nam Vam nº 7 – 01/Dez/1984

fotos e ilustrações de autoria desconhecida

 

VISITAR Malaca assemelha-se à escrita de um romance, nem sempre cor-de-rosa, em que o passado está constantemente presente. E ouvir narrar, olhando as pedras, os volte-faces da história num murmúrio secular.

 

Envolta numa pesada atmosfera que impõe o prateado do chumbo por entre os débeis raios de sol da monção, a cidade espraia-se plana e como que converge para os Estreitos famosos. Ao largo, tocando a linha do horizonte, 100 navios por dia sulcam as fronteiras do Pacífico e do Índico. Mas nem um só deles se aproxima já do porto cadáver, do porto esqueleto onde se não vislumbra somente a pálida imagem do esplendor de outrora a cada passo mais antigo, mais esquecido.

Idos são os astuciosos mercadores dos mil e um pontos do globo, os afoitos marinheiros, até os pescadores, a língua franca rainha de uma torre de Babel que não menos contribuíu para o cosmopolitismo do entreposto.

A derradeira nostalgia - fado/ /fatum, ilusão vã - quase confinada a um bairro, baluarte último de uma vontade grande onde vive, num esforço bravo e corajoso igual ao dos ancestrais navegadores, através de um instinto genuíno de preservação, simultaneamente poderoso e frágil, a Comunidade Portuguesa de Malaca.

 

COM os sentido e a alma impregnados do cheiro da canela, do toque da seda, os feitos de um vice-rei na memória histórica, por entre cajueiros e borracheiras originários do Brasil, alcança-se a almejada Malaca. Logo é lembrada a «antigua»caravela que navegou as rotas desde a Ponta de Sagres guiada por aventureiros e destemidos homens (agora não menos lusos mas certamente menos marinheiros) através dos mares orientais. E logo também o primeiro encontro português de Malaca: com um sorriso aberto e simples, acolhedor na face morena, a jovem Sali indaga prontamente, curiosa e algo surpreendida - «De Portugal?" Acenamos que sim. Sali continua: <Eo portugues. Eo fala portugues. Un, dos tres. Eo comi vai casa!>

Como passa! - concluímos precipitadamente. Não, não era bem assim. E Sali desata a explicar em inglês quase fluente que pouco sabe de português, pergunta se percebi o que, disse e adianta que os pais sabem mais palavras do que ela, mas que são os avós que mais sabem e sempre falam <cristao> em casa. No entanto afirma que deve ser difícil entendê-las pois falam português antigo, do século XVI e ela sabe que agora é muito diferente. Garante-nos que no Aldeamento Português onde vive, há muita gente que fala «cristao». Ela «comi vai casa» e oferece-se para nos acompanhar. Na paragem de autocarro e durante as três milhas de viagem do centro até ao Aldeamento, Sali não pára de se certificar que as palavras soltas que conhece de português são correctas, se as entendo, pedindo constantemente que a corrija e lhe ensine novas frases. Manifesta um grande desejo de saber mais, embora os seus afazeres lhe deixam pouco tempo e, pior que tudo, não haja ninguém que lhe ensine o português de hoje, pois é esse que lhe interessaria aprender melhor.

 

APEÁMO-NOS na rua principal - D'Albuquerque. Em seguida enveredámos pelas artérias - cada qual uma página da história portuguesa de Malaca - Sequeira, Teixeira, Aranjo, Eredia. Sob o calor sufocante de um meio-dia soalheiro se descobre mais um escritor das lusas letras: Emmanuel Godinho Eredia de quem foi publicado em 1615 uma história de Malaca.

O Aldeamento tem um ar extremamente asseado em contraste com vários outros locais da cidade. Originalmente, as casas alinhadas num desenho de paralelas e pré-pendiculares, eram de madeira com telhados de colmo e o seu andar único elevava-se acima do solo afastando-se da humidade. Hoje os telhados são de zinco e o espaço vazio que suspendia as casa da terra foi cimentado e emparedado. A varanda em algumas, empresta-lhes uma característica definitivamente portuguesa ('o estilo colonial de Malaca') e um toque fugidiamente mediterrâneo. Os gradeamentos em ferro trabalhado, a cortina por trás da vidraça, a pintura retocada, o pequeno jardim cuidado dando para a rua, fazem com que as habitações não destoem do. conjunto urbanístico de uma aldeia ou via de Portugal se imaginariamente comparadas. Qualquer delas ostenta, geralmente por cima da porta de entrada no exterior, Uma imagem, um objecto tipificadamente católicos, por vezes mesmo um minúlculo altar. Mas, e nisto resido o sui generis, aquilo que possivelmente só a lado com outros notoriamente chineses. Erguidas não raro pelos seus próprios habitantes, no interior o mobiliário não abunda, mas existe sempre uma espécie de réplica de altar onde figuram imagens católicas (Nossa Senhora de Fátima, S. Francisco Xavier, San Pedro) - testemunho do culto seguido - emolduradas em porcelana, madeira, bronze, rosários, recipientes vários onde as flores de homenagem raramente chegam a murchar.

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3 Gerações de euro-asiáticos

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SALI leva-nos a casa dos pais - o casal Fernandes – que nos recebem com a hospitalidade das gentes humildes, sinceramente calorosa. Pertencem à geração dos 40 e 50 anos e de imediato se mostram surpresos por sermos portugueses. Entabulámos um diálogo entrecortado de frases em «cristao», inglês e má língua malaia que falam entre si.

Contam o que sabem ser de origem portuguesa: as gentes, as festas, os nomes da ruas, a história de Malaca e dos seus antepassados lusitanos; insistem nas igrejas e nas missas a que assistem regularmente; no «Branyo», no «Casamento português». A conversa anima com a presença de um irmão do Sr. Augusto Fernandes, um pouco mais novo, pescador nas horas vagas que a profissão rende pouco, e que entusiasmado desfia de roldão o seu razoável conhecimento do dialecto «Cristao». Mas bem depressa o fio da meada é retomado em inglês.

 

SÃO horas de almoço. As despedidas são afáveis.

Como nos indicaram, dirigimo-nos ao «POTUGIS RISTORAN» que apesar do nome sugestivo exibe uma ementa escrita em inglês onde apenas a palavra «pao» nos recorda a língua-mãe. O mesmo se passará com a factura ... palavra que aliás recebemos dos árabes.

A comida é de facto saborosa e bem confeccionada, mas nem o travo ou paladar se poderiam atribuir à cozinha tradicional portuguesa, tendo antes «reminiscencias» indianas. Dizem os locais que os dois pratos mais famosos - o caril diabo e o caril capitão - são de difícil preparação e só os euro-asiáticos da comunidade portuguesa da Malásia são capazes de os cozinhar. Demovê-los da inabalável convicção de que são pratos tipicamente portugueses, explicando que não figuram na culinária de Norte a Sul do país, é tarefa vã. Certamente que as 300 donzelas indianas deixadas por Albuquerque aos portugueses que compunham a guarnição de Malaca em «A FAMOSA» conheciam as secretas especiarias de um bom caril! Entretanto, a imagem desoladora que os Estreitos agora oferecem penetra pela janela do «Ristoran» em toda a sua extensão, com aquele céu cinzento que aflige as «criaturas de Deus» e se reflecte, insinuante, nas águas salgadas que manhosamente se agitam deixando adivinhar, na quietude contrastante da lama castanha, a aproximação de uma borrasca súbita e perigosa. O sr. Manuel, o Patrão, orgulhosamente faz nos ouvir um fado cantado por Amália, pois é o único a possuir tão preciosa gravação. Um pouco reticente a princípio, talvez devido ao facto de o local se encontrar deserto de clientes e só os familiares se encontrarem presentes, o Sr. Manuel manteve uma longa conversa de duas horas em português-cristão. Figura de meia-idade, pelo cor-de-bronze, atrás dos óculos fortemente graduados os olhos vivos sorridentes e calmos de muita vida, um sorriso de marotice que lhe ficou de criança e que os inúmeros netos e netas lhe provocam a cada momento. A nossa pergunta sobre o que era feito dos pescadores e das suas pitorescas aldeias vai respondendo pausadamente, como se o facto por consumado fosse também natural:

«Dantes muito-tanto, dantes. Agora fica pouco pouco. Não tem dinheiro vai casa, vai trabalho cidade. Pescador não ganha, pobre. Dantes tinha, muito-tanto.

E o papia cristao. Percebe, percebe?»

Prestando atenção percebemos. Ora absortos na paisagem apenas quebrada no tropical tom exótico e húmido pelo breve despontar do sol que brinca às escondidas entre os castelos de núvens, esperançados na chegada de uma traineira malagueira ou na recolha providencial de uma rede de pesca regurgitante de frutos-do-mar ora observando a decoração da sala cujas paredes tentam preservar o folclore dos dançarinos de Branyo pintados em cores vivas, o brilhantismo das últimas festividades a São Pedro anunciadas no cartaz de Gesig feliz porque nos queremos alheados da nostalgia feroz imposta pela agonia de uma realidade viva apenas graças à vontade de tão poucos e que outras realidades mais fortes e de muitos destroem involuntária mas implacavelmente - por isto e porque solidários com os descendentes de Portugal, embora longínquo e antigo, embora ignorante da solitária prole de Malaca ficamos atentos e percebemos.

- «Come, come. Ganguereijo, muito bom».

- Muito bom, concordo ao mesmo tempo que me ressoam nos ouvidos «Muito-tanto» muito tristes e «Dantes tem» tão saudoso, por entre uma garfada de «Capitão» e outra de «diabo».

Saímos para o largo ensolarado deixando para trás, mais solitário ainda, o Ristoran Portugis, qual navio-fantasma ancorado em porto-abandono. Cá fora o ceú mudou de cara e abriu-se ao astro-rei, mas as ruas do Aldeamento continuam desertas de viva-alma. No entanto, o «Senhor Manuel conhece» e oferece-se como guia. Chegámos para a pausa do café à atravancada pena loja-mercearia-café. O recinto diminuto é todo ele esplanada: duas paredes apenas, as outras duas são removíveis até ao tecto. Sentámo-nos já no passeio. Três gerações reunem-se em torno da mesa: O sr. Manuel, o pescador em «part-time» ou horas vagas (<<e o trabalho, pesco peixe; Manuel da mulher cozinha; tem dineiro muito-tanto») e uma jovem sorridente. A cada geração representada - 50/60, 30/40 e os mais novos - correspondem três níveis. (tanto mais fracos quanto menos novo quem fale) de conhecimento oral do papiá cristão di Malaca. Com o mais velho dos três converga-se, com a geração do meio trocam-se frases, com os mais jovens apenas se confirma o significado de uma ou outra palavra utilizando o inglês como veículo de comunicação. Mas nada disto obsta. à alegria ao diálogo afectuoso, ao entusiasmo e até a uma certa emoção de se conhecer alguém do Portugal de hoje e, afinal, «papia cristão percebe» curiosos, interessados pedem que fale portugues d'agora.

 

As estatísticas dizem que 15.000 pessoas falam o patuá português - cristão entre a geração mais velha da Malásia peninsular e de Singapura, sendo a lingua-franca no Aldeamento Portugues de Malaca. Entretanto, à sobrevivência do dialecto é um fenómeno de difícil explicação lógica uma vez que a língua portuguesa nunca foi metódicamente ensinada, nem privadamente nem através de instituições de ensino ou culturais. Ficaram-nos dúvidas se alguma vez o teria sido, mesmo durante a ocupação portuguesa de Malaca. Livros de estudo ou outro material didáctico também nunca foram acessíveis, salvo talvez a uns raros privilegiados e através de contactos com visitantes portugueses. Consequentemente, o aspecto formal da língua, a sua estrutura gramatical e sintáctiva, até a própria fonética, que sofreu variadíssimas influências de outras línguas, não pôde nunca ser actualizado paralelamente ao português moderno nem, por sua vez, se manteve inalterado de modo a respeitar os cânones próprios aos séculos XVI e XVII. O cristão foi sempre transmitido oralmente, de geração em geração, falado em família e conservado pela comunidade dos euroasiáticos de ascendência portuguesa existente na Malásia.

Aliás, o patuá cristao di Malaca esteve na origem do patois cristao di Macau. Esta transmissão liga-se ao deslocamento geográfico, em seiscentos após a queda de Malaca nas mãos dos holandeses, dos portugueses que se transferiram de Malaca para Macau. Aqui, o dialecto evoluiu já sob a influência mais directa do chinês e do português moderno.

Com a introdução no dia a dia do inglês e da língua malaia propriamente dita na população de ascendência portuguesa da Malásia, o vocabulário foi-se tornando cada vez mais reduzido pois, quer a sua utilização quer os seus utentes decresceram quantitativamente. Não havendo um apoio outro mais duradouro e eficaz do que a tradição oral a gramática, igualmente, ficou limitada a uma base essencial que permite a compreensão entre o emissor e o receptor do mesmo grau. Conhecedores dos mesmos signos linguísticos e obsta à descodificação da mensagem. Tudo o que a língua continha de mais complexo foi praticamente eliminado, não por imposição violenta, mas pela usura do tempo e a introdução de outras línguas. o Tempo dos verbos é agora extremamente simples: a forma verbal é precedida de um advérbio de tempo, ou equivalente em função, que indica precisamente o tempo: logo corresponde ao futuro por exemplo: logo comi, logo santa. assinala o passado. A pronúncia tem agora cambiantes inexistentes em seiscentos e o chinês terá sido marcante na modificação de muitos fonemas.

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parte exterior da Igreja S.Paulo e a estátua de S.Francisco Xavier

A língua portuguesa de Macau é extremamente rica em expressões idiomáticas, provérbios, teka-teki (adivinhas) e raeinya que são contos e fábulas, alguns dos quais usados para explicar aos mais jovens, alegoricamente ou por metáforas, diversos mistérios da vida e da natureza.

As canções, tradicionais e modernas, já que se fazem traduções em «cristao» dos êxitos mundiais mais populares, muito contribuíram para a manutenção do dialecto.

Sem livros nem professores, os agentes de transmissão são exclusivamente os pais, e os avós - aboh.

Ditados populares como «bota fogo» que exprime o acto de instigar ou provocar, «eng song Cantar eng song bala» para designar os auto-elogios, são alguns exemplos dos que não caíram em desuso.

O «cristao» também encerra influências da língua malaia - bahasa - o que se verifica na estrutura e construção das frases devido, sobretudo, ao lapso de tempo que o desenvolvimento do dialecto sofreu causado pela quebra na comunicação entre Lisboa e Malaca.

Uma grande parte do vocabulário já se perdeu por falta de utilização e de documentação. Apesar da gramática deficiente e da sua estagnação, o «cristao» tem sido usado como «media» de escrita principalmente em canções e cartas. Algumas pessoas mais idosas ainda

escrevem aos parentes e amigos na velha língua de origem ibérica. Contudo, tudo isto e muito mais será irremediavelmente perdido se nada for feito urgentemente para recuperar, colectar, reunir e publicar um trabalho específico sobre «o patois di Malaca». O «cristao», por sua vez, sobrevive ainda na língua malaia através de algumas palavras:

MALAIO - CRISTÃO

sekolah - escoula

kebaya - cabaia

sepatu - sapato

meja - mesa

limau - limao

mentega - mantega

garpu - garfo

roda - roda

kereta - careta (carro)

bendera - bandeira

marinyu- merinho (inspector)

peluru - peloro

jendela - janella

 

Muitos outros exemplos poderiam ser dados.

O poema a seguir transcrito é cantado em «cristao» nas festividades mais importantes ou sempre que se proporcione ocasião:

 

Nina boboi

Taju ja bai rede,

Ja seski charueca,

Ja mureh, cum sede.

 

 

Isti nielo anular,

E pataca de Cobre,

Isti Corasang,

Mere Amor, ja laga dimang

 

Passarinheio vedre,

Vedre de Serindade,

Ja sai de giolu,

Keng kuntunte logo kuray

 

DIÁLOGO EM LOUVER DE NOSSA LINGUA» é o título dado em 1540 pelo cronista João de Barros à sua obra em que predizia que as armas portuguesas e os marcos fronteiriços deixados pelos lusitanos nas inúmeras ilhas para lá dos limites dos três continentes, como coisas materiais que são, poderiam ser destruídos pelo tempo, mas este seria impotente para fazer desaparecer a religião, os costumes e a língua que os portugueses semearam nessas terras.

Lamentavelmente, é-nos impossível reproduzir um diálogo alongado em «cristao» já que, até oralmente, começa a rarear quem o mantenha. Depois de tudo o que se viu e mais se ouviu durante as deambulações pelas serenas margens dos Estreitos de Malaca ficou-nos, no entanto, o som olvidado ou ignoto das gentes de hoje em Portugal que contemplam ainda o mar, mas raramente a ele se afoitam - «o som do papia cristao di Malaca, um som de saudade». Se o dialecto vingou até aos nossos dias, contra a adversa passagem dos tempos, da velocidade do progresso, a que se juntam as supra-influências do inglês, do disco-sound, da televisão americanizada mas de discurso arabizado em alfabeto latino, tal não se deve apenas à sobrevivência cultural de raízes profundamente implantadas. Falar «papia cristao» em Malaca é falar português e algo mais: é o signo e o símbolo de se ser português, de se ter ascendência lusa e constitui a essência de um sentir supremo da diferença. Só por que, há quase meio milénio, os portugueses aqui aportaram e deixaram descendência.

Os euroasiáticos de ascendência portuguesa, minoritários, espraiados um pouco por toda a Malásia, mais um pouco por todo o Oriente: eis que de súbito o apelo do sangue se reacende, a pobreza ajuda à união e, num afrontamento desigual, de antemão perdida a batalha, divididos entre a certeza da glória passada e a dúvida no futuro, desorientados pelo redemoinho do progresso, uma etnia em vias de extinção desfralda como bandeira máxima da sua identidade - a língua-mãe. Que é exagero chamá-la assim, de «mãe», pois exacto seria dizê-la dos bisavós das bisavós... E, o mais certo é o primeiro nome ficar ausente levado na crista em espuma de neve de uma onda há quatrocentos anos atrás ou perdido pela curta memória dos homens no nevoeiro espesso de tanta humildade e mar e selva.

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Revista Nam Van era uma edição do Gabinete de Comunicação Social de Macau