Receitas macaenses da I Quinzena de Macau em Lisboa

Jornal Tribuna de Macau de 12/07/2010 - Secção Opinião - Falar de Nós

autor -  Jorge Rangel


 “As conferências que se proferiram na Casa de Macau, em Lisboa, a exposição de quadros de Herculano Estorninho e as refeições macaístas, todas elas preparadas por senhoras de Macau ou que ali estiveram radicadas, serviram para nos ensinar a amar Macau”.

 

 

Maria Emília Cancella de Abreu,

 

 

“Banquete – Revista Portuguesa de Culinária”, Janeiro de 1972

 

 

Vimos, no artigo anterior, como foi bem sucedida a realização da I Quinzena de Macau em Lisboa, em 1971, e a grande atenção que a “Banquete – Revista Portuguesa de Culinária”, de Janeiro de 1972, dedicou à gastronomia macaense. A sua directora, Maria Emília Cancella de Abreu, presidiu ao júri do concurso de culinária macaense integrado no programa da Quinzena, após o que inseriu nesse número da sua revista, que algumas velhas famílias macaenses guardaram até hoje, uma muito representativa selecção de receitas macaenses, apresentadas por várias senhoras macaenses residentes em

 

 

Portugal ou transcritas do livro “Cozinhados de Macau”, de Celestina de Mello e Senna, exímia cozinheira e minha sempre lembrada professora na 1ª classe da Escola Primária Oficial de Macau.

 

 

Em homenagem à Confraria da Gastronomia Macaense, em boa hora criada, e porque tive o privilégio de provar alguns dos pratos confeccionados por aquelas que foram algumas das maiores mestras da culinária macaense, trago para este espaço, para lhes garantir uma maior divulgação junto da comunidade, algumas dessas receitas:

 

 

DE LAURA LOBATO MAJER

 

 

- Carne de porco bafassá:

 

 

Banhar em vinha-de-alhos durante 24 horas um lombo de porco previamente esfregado com sal e açafrão. Passado esse tempo, vai a assar com cebola cortada às rodelas, uma colher de banha e regado com a marinada. No fim de assada, tira-se a carne, corta-se em fatias finas e serve-se com o molho passado pelo “passé-vite”. Acompanhar com batatas e cebolas fritas.

 

 

-Diabo rico (para 25 pessoas):

 

 

100 g de banha / 1 dl de azeite / 1 kg de cebolas / 1 kg de tomate / 2 colheres de sopa de vinagre / 1 frasco pequeno de molho inglês “Lea & Perrins”/ 2 colheres de sopa de molho de soja (sutate) / 1 frasco pequeno de mostarda tipo Savora / 1 garrafa de vinho branco / 1 cálice de vinho do Porto / 2 gemas / carnes (1 kg de porco, 1 kg de leitão assado, 1 kg de costeletas de carneiro, 2 kg de carne de vaca estufada e 1 frango grande de caril)

 

 

Refogar a cebola às rodelas e, depois, juntar os condimentos, excepto o Porto e as gemas.

 

 

Refogar nesse molho as carnes cortadas em cubos. Depois de pronto, e enquanto quente, adicionar as gemas diluídas no Porto, sem voltar a levar ao lume.

 

 

-Frango com molho de cogumelos:

 

 

1 lata de cogumelos chineses “tongku” / 1 lata de algas chinesas “van-y” / 1 frango / 4 cebolas picadas / 50 g de presunto picado / 1 colher de sopa de banha / 1 copo de vinho branco.

 

 

Cora-se a ave na banha e, depois de corada, retira-se da gordura e aloura-se aí a cebola.

 

 

Estando loura, junta-se novamente a ave com o presunto e o vinho branco. Juntam-se, em seguida, os cogumelos cortados às tiras, depois de escaldados e o “van-y” (algas conhecidas por “orelhas de rato”), também escaldado. Tapa-se e deixa-se ferver em lume  brando até o frango ficar tenro.

 

 

Podem substituir-se os cogumelos chineses por champignons frescos, mas as algas são insubstituíveis.

 

 

DE FÁTIMA TAMAGNINI BARBOSA DE OLIVEIRA

 

 

-Casquinhas de santola:

 

 

Coze-se a santola ou outro marisco. Depois de cozido, desfia-se a carne toda.

 

 

Deita-se num tacho azeite do bom, açafrão, coentro em pó, cebola picadinha, sal, amêndoas finamente cortadas, queijo ralado e o marisco já desfiado, levando tudo a refogar um pouco. Tempera-se com pimenta e junta-se um pouco de miolo de pão embebido em leite. Enchem-se as cascas com este preparado, cobrem-se de gema de ovo, polvilham-se de pão ralado e levam-se ao forno para alourar.

 

 

-Sopa de min:

 

 

Fervem-se em conjunto 500 g de ossos de porco e 250 g de camarões, com a casca.

 

 

Depois do camarão cozido passa-se a sopa pelo passador, tendo, em primeiro lugar, pisado o camarão com a casca.

 

 

Faz-se um refogado com cebola picada, banha, pimenta e uma colher de sutate (molho de soja). Quando a cebola estiver apenas cozida, isto é, não refogada em demasia, junta-se o caldo e nele se coze o min, que é uma massa chinesa semelhante à aletria.

 

 

-Peixe com molho de pinhões:

 

 

Este prato faz-se com qualquer peixe frito ou cozido.

 

 

Pisa-se em conjunto ½ chávena de amêndoas, ½ chávena de pinhões, ½ chávena de queijo ralado e ½ coco. Frita-se em bom azeite ½ colher de chá de pó de açafrão e de coentro e um pouco de pimenta. Juntam-se, depois, à mistura anterior, leite de ½ coco, uma colher de molho de soja e meia de vinagre. Deixa-se ferver tudo em lume brando, mexendo sempre e, em estando bem apurado, junta-se o peixe, fervendo um pouco mais.

DE CELESTINA DE MELLO E SENNA

 

 

-Camarões panados:

 

 

1 kg de camarão grande / 1 chávena de farinha / 1 cebola verde / 1 dente de alho / sal e

 

 

pimenta q.b. / 2 ou 3 ovos / pão ralado q.b. / banha de porco q.b.

 

 

Lavam-se e descascam-se os camarões, o que se fará com cuidado para que se não quebrem as caudas. Com uma faca, cortam-se ao meio e lavam-se novamente.

 

 

Temperam-se com sal, pimenta, 1 dente de alho picado, cebola verde muito bem picada, passam-se por farinha de trigo, ovo batido e pão ralado, novamente por ovo e pão ralado e fritam-se em banha. Se pretenderem que os camarões não fiquem enrolados, na ocasião de os fritar estiquem-nos, com o auxílio de uma palheta de bambu, da cauda à cabeça.

 

 

-Caril de galinha:

 

 

1 galinha / sal e pimenta q.b. / molho de sutate (soja) / 2 colheres de chá de pó de caril / 2 cebolas da Índia / 1 cebola seca / ½ coco ralado e escaldado com 2 ou 3 chávenas de água fervida / batatas q.b.

 

 

Corte a galinha em 8 pedaços e tempere-os de sal, pimenta, molho de sutate e uma colher de pó de caril.

 

 

Deite numa caçarola um pouco de banha e refogue nela as cebolas da Índia e a cebola seca, muito picadinhas, e o restante pó de caril. Quando começar a exalar cheiro forte, junte os pedaços de galinha e mexa continuadamente para se não queimar o pó de caril.

 

 

À parte, esborrache o coco ralado com uma colher antes de o coar. Feito isto, coe o leite e deite-o sobre a galinha, aproveitando somente o suco. Se este não for suficiente, pode juntar-se um pouco de água. Quando começar a ferver, deite as batatas cortadas em oito partes e, logo que estejam cozidas, retire-as. Quando o caril estiver pronto, junte novamente as batatas e deixe ferver um pouco só para aquecerem. Se o molho ficar muito ralo, reduza a puré um ou dois pedacinhos de batata.

 

 

Também se pode seguir esta mesma receita empregando, em vez de galinha, caranguejo, ovos e camarões com nabos.

 

 

 


 

Doçaria divulgada na I Quinzena de Macau em Lisboa 

 

Jornal Tribuna de Macau de 19/07/2010 - Secção Opinião - Falar de Nós

 

autor - Jorge Rangel

 


 


 

“O concurso de culinária e doçaria contribuiu para tornar mais conhecidos os nossos apetitosos pratos na Metrópole e salvar aquelas receitas, transmitidas de geração em geração”.

 

 

Armando de Oliveira Hagatong, Junho de 1971

 

 

 

 

Foi apresentada, no artigo anterior, uma selecção de receitas divulgadas na I Quinzena de Macau em Lisboa, de conhecidos e muito apreciados pratos da culinária macaense, da autoria de três ilustres senhoras reconhecidas como especialistas neste domínio: Laura Lobato Majer, Fátima Tamagnini Barbosa de Oliveira e Maria Celestina de Mello e Senna.

 

 

Deixámos para hoje a saborosa doçaria macaense:

 

 

1) Bolo menino

 

 

(receita de Laura Lobato Majer, com apresentação de Alice Hagatong):

 

 

32 ovos / 300 g de pinhão torrado / 1 coco torrado / 400 g de amêndoa torrada / 600 g de açúcar / 600 g de bolachas de água e sal moídas ou pão ralado / 1 ½ colher de chá de fermento

 

 

Batem-se as gemas com o açúcar muito bem, juntam-se depois os restantes ingredientes e, por fim, as claras batidas em castelo. Leva-se ao forno em forma untada até cozer.

 

 

Desenforma-se e polvilha-se com “icing-sugar”.

 

 

2) Bebinca de leite:

 

 

1 chávena de maizena / 4 chávenas de leite / 2 chávenas de água de coco / 2 chávenas de açúcar / 6 gemas / 2 colheres de sopa de manteiga / ½ colher de chá de sal

 

 

Bater as gemas com o açúcar, juntar depois os restantes ingredientes e, por fim, o leite aquecido. Levar ao lume para engrossar e depois vazar num “pyrex” e alourar no grelhador do forno.

 

 

Também pode vazar a bebinca enquanto quente numa forma untada de óleo e levar ao frigorífico, servindo-a desenformada. No Verão esta versão é mais agradável ainda do que a tradicional.

 

 

3) Doce de laranja torneada (apresentação de Aurelina Dias):

 

 

2 kg de laranja / 2 kg de açúcar pilé

 

 

Tornear as laranjas com um aparelho próprio e reservar as tiras da casca. Cortar as laranjas ao meio e pô-las de molho durante três dias, devendo mudar a água diariamente.

 

 

Passado esse tempo, levar ao lume as laranjas, as tiras de casca e o açúcar, mantendo a fervura muito lenta até a calda ganhar ponto de geleia.

 

 

Servir o doce frio como sobremesa.

 

 

4) Obreia (receita de Laura Lobato Majer):

 

 

600 g de farinha / 300 g de açúcar / 16 gemas / 1 clara / 100 g de manteiga

 

 

Bate-se muito bem o açúcar com as gemas e junta-se a farinha, a manteiga e a clara.

 

 

Formam-se umas hóstias que se levam ao forno em tabuleiros polvilhados de farinha.

 

 

5) Rebuçados de ovos:

 

 

Massa de ovos: 250 g de açúcar pilé / 15 gemas

 

 

Para caramelizar: 125 g de açúcar pilé / 2,5 g de cremor tártaro

 

 

Primeiro, confeccione a massa de ovos pondo o açúcar num tacho com cerca de 1 dl de água. Deixe ferver sobre uma chama baixa, até atingir o ponto de bola mole. Conhece-se que atingiu esse ponto quando, ao mergulhar um pouco desta calda dentro de água, se consegue formar com ela uma bola maleável mas consistente.

 

 

Fora da chama, deite a calda, pouco a pouco, sobre as gemas, devendo estas ter sido

 

 

previamente batidas com uma faca e, depois, coadas por um passador de rede. Logo que a calda esteja toda incorporada, leve este preparado novamente à chama e deixe ferver lentamente, mexendo sempre com uma colher de pau, até a massa atingir o ponto de estrada. Nessa altura, deixe arrefecer sobre uma travessa. Uma vez fria, forme umas bolas bastante pequenas, que deve mergulhar na calda de açúcar em ponto de rebuçado e pôr a secar sobre a pedra da mesa, untada com óleo de amêndoa doce.

 

 

Ponto de açúcar para caramelizar:

 

 

Ponha a ferver o açúcar com cerca de um cálice de água e, quando a calda atingir o ponto de pérola, deite-lhe o cremor de tártaro desfeito numa pinga de água e deixe sobre a chama até atingir o ponto de bola dura. Este conhece-se procedendo como ficou indicado para conhecer o ponto de bola mole. Neste caso, porém, em vez de obter uma bola maleável, deve conseguir-se uma bola dura e quebradiça.

 

 

6) Batatada:

 

 

2 kg de batata-doce / 1 kg de açúcar / 150 g de manteiga / 1 coco ralado / leite de 1 coco / 1 colher de chá de banha de porco derretida / 125 g de amêndoas cortadas em falhas (facultativo)

 

 

Coza as batatas com casca, descasque-as e passe-as pelo “passe-vite”. Mistura-se a este puré o açúcar, o coco ralado, o leite de coco e as amêndoas cortadas. Põe-se ao lume a cozer e, quando começar a secar um pouco, junte a banha de porco e vá mexendo com uma lada. Quando começar a despegar do tacho e a fazer estrada é que se adiciona a manteiga. Continua a cozer até se despegar completamente do tacho.

 

 

Depois de pronto, deite numa taça e enfeite com amêndoa torrada ou coco ralado.

 

 

7) Genetes:

 

 

200 g de manteiga / 200 g de açúcar / 5 gemas / 250 g de maizena / 1 colher de chá de

 

 

fermento em pó

 

 

Bate-se a manteiga com o açúcar até se obter uma mistura branca e juntam-se, depois, as gemas uma a uma, batendo sempre. Junta-se em seguida a farinha e o fermento previamente peneirados.

 

 

Com o auxílio da seringa, formam-se os biscoitos num tabuleiro e levam-se ao forno para cozer.

 

 

Eis alguns dos doces macaenses apresentados na I Quinzena de Macau em Lisboa, em 1971. Eles estão também presentes em ocasiões festivas da comunidade, nos chásgordos, convívios familiares e encontros especiais de associações e clubes. Além destes, quem já provou e não gostou de outros, como bagi, barba, coqueira, chacha, doce de camalenga, celicário (selicária), fartes, fatias de ovos, geleia de pé de vaca, ladu, muchi, ondi-ondi, sarán-surave (sarán-surável), bolos de gengibre, bicho-bicho, dodol, fula-fula, macazotes, segredo e formigo, outrora tão abundantes e alguns cada vez mais raros nas mesas macaenses? A Confraria da Gastronomia Macaense pode e deve continuar a promover a sua divulgação e realizar novos concursos envolvendo também activamente as Casas de Macau e outras associações da diáspora.

 

 

Várias pessoas que leram o artigo anterior mostraram interesse na aquisição de exemplares do nº 143 da “Banquete – Revista Portuguesa de Culinária”, de Janeiro de 1972. Esta revista, porém, editada pelo Instituto de Culinária da grande empresa que foi a CIDLA – Combustíveis Industriais e Domésticos, S.A.R.L., deixou há muito de ser publicada e números avulsos podem ser encontrados apenas em alfarrabistas, colecções particulares e bibliotecas especializadas.

 

 

Algumas velhas famílias macaenses guardaram exemplares desse nº 143, dedicado quase integralmente à culinária macaense, podendo brevemente ser facultado um à Confraria da Gastronomia Macaense, para a sua biblioteca/arquivo.

 

 


Agradecimentos ao Dr. Jorge Rangel e ao Jornal Tribuna de Macau