o Colégio Santa Rosa de Lima em 1930
1992-1993 foi o último ano lectivo do ensino em português do Colégio Santa Rosa Lima. Sinal dos tempos; uma página que se fecha na longa história da instituição que formou gerações de macaenses na língua de Camões
SANTA ROSA DE LIMA é hoje um nome associado ao Colégio da Rua de Santa Clara e a centenas de crianças e jovens de farda azul e branca que ostentam as famosas iniciais num alfinete de peito de
metal prateado. Este vetusto local é, contudo, muito mais antigo do que se pensa e nem sempre foi um Colégio. É, isso sim parecem não restar dúvidas, um marco histórico recheado de acontecimentos ligados à vida da Cidade do Santo Nome de Deus desde quase o berço. O muro que circunda o Colégio, por exemplo, e a escadaria de acesso são as testemunhas dos tempos mais longínquos datam de 1622.
O primeiro registo conhecido refere-se ao Convento de Santa Clara, fundado em 1633 por um grupo de Clarissas das Filipinas: Durante um período de tempo de mais de 100 anos pouco se sabe até que, em 1726, o bispo D. Marcelino José da Silva funda o Colégio Santa Rosa de Lima que era, na verdade, um Recolhimento para órfãs.
Em 1835 os conventos foram extintos mas Santa Clara sobreviveu. As irmãs Clarissas regressam a Manila e o Recolhimento passou a ser da responsabilidade de uma comissão directora. Mas de novo será entregue a onze irmãs da caridade, da Congregação da Missão de S. Vicente de Paulo em
O bispo da altura, D. Jerónimo José da Mata, achou benéfica uma nova mudança das instalações do Recolhimento, que passa a ficar no Mosteiro de Santa Clara.
Em 1875 os estatutos regulamentares do já Colégio de Santa Rosa de Lima foram aprovados por portaria de 19 de Fevereiro. A regente do Colégio seria a partir de então D. Teresa da Anunciação Denemberg, cujas virtudes e educação ganharam fama. Uns anos depois, em 1883, os bens do extinto convento de Santa Clara foram entregues à comissão que dirigia o Colégio.
Nestes finais do século XIX o estabelecimento de ensino, cuja vida foi sempre um pouco conturbada, é confiado às madres Canossianas até
Contrataram-se professoras em Portugal e foi aberto o curso liceal. O ensino infantil foi outra inovação introduzida. Paralelamente havia um curso de economia doméstica, frequentado por muitas jovens macaenses, mães de família e também raparigas vindas de Portugal.
No dia 7 de Dezembro de 1939 foi concedido o alvará do ensino particular liceal e seis meses depois, a 3 de Junho, o alvará de escola primária. E chegamos à década de 40 que verá a vinda para Macau da madre Gertrudes do Nascimento. É uma nova página que se abre.
A era da madre Pia
Nas últimas décadas falar da secção portuguesa do Colégio Santa Rosa de Lima é, inevitavelmente, evocar a madre Pia, que, com outras sete irmãs, veio reforçar a classe docente do estabelecimento de ensino no ano de 1946. Na altura, os alunos eram quase todos portugueses, filhos de militares e de farmlias naturais da terra. Já existiam as secções chinesa e inglesa, cada uma com a respectiva directora e, juntamente com a parte portuguesa, integravam o mesmo edifício. A irmã Gertrudes do Nascimento assume a direcção da secção do ensino em português no dia 26 de Setembro de 1976. No entanto, com o grande aumento do número de alunos, principalmente chineses, tomava-se urgente a separação.
Por outro lado, a melhoria do ensino no Liceu Infante D. Henrique foi, segundo a madre Pia, a principal razão para o progressivo abandono do Colégio pelos alunos do secundário em língua portuguesa. Por isso mesmo, desde 1963 existe apenas o jardim de infância e a primária. A separação das secções concretiza-se em 1982.
A parte portuguesa cedeu a sua escola, que funcionava no edifício central ao alto da escadaria, verdadeiro ex-libris do Colégio, e o convento, por sua vez, cedeu uma zona para as aulas em língua portuguesa num edifício com dois andares que precisou de grandes adaptações. As obras decorreram durante somente três meses, a duração das férias grandes. Nesse ano as aulas abriram um pouco mais tarde, não por causa das remodelações mas sim de uma reciclagem às professoras. A parte portuguesa tinha na altura entre 250 e 300 alunos, cerca de
O último ano lectivo do português
Neste último ano lectivo de 92-93 o ensino primário da secção portuguesa contou com 179 alunos divididos por 5 classes, 2 da terceira e 3 da quarta. O jardim de infância albergava 100 crianças.
Formaram gerações de macaenses. Madre Pia diz orgulhosa que entre os antigos alunos do Colégio se conta a Dra. Edith Silva, directora dos Serviços de Educação, e muitas outras pessoas de destaque na vida da cidade. O Colégio de Santa Rosa de Lima é, sem dúvida, um marco na educação em Macau, uma referência para tantas famílias naturais desta cidade mas, como tantas outras, tem que se vergar à evolução e às transformações...
Para o segundo andar do edifício, onde funcionou a secção portuguesa, irão dez irmãs idosas da Congregação, o resto será ocupado pelos alunos chineses.
Mas qual a principal razão para acabar com o ensino em português no Colégio? Madre Pia responde que tal se deve, simplesmente, a não haver quem dê continuidade a esse projecto. Segundo diz, já não há irmãs interessadas em vir para Macau com a aproximação da data da transferência da Administração, dentro de seis anos e meio apenas. Quem aqui está fica, continua a obra para que foram
destinadas, as irmãs de Portugal agora optam por África que é onde mais precisam delas. Por essa razão há já dois anos que não recebiam alunos novos. Como é ver fechar a parte portuguesa do Colégio, o trabalho de toda uma vida? Tenho muita pena mas faço-o voluntariamente porque acho importante saber dar por finda uma actividade quando não há quem a continue. Madre Pia fala do imenso pesar que muitas famílias sentem e que frequentemente manifestam. No dia 30 de Junho o Colégio fecha as portas da secção portuguesa. Para sempre. Fica a memória e a saudade.
1993 foi o último ano do ensino em português
Padre Gutierrez e Madre Pia
JUBILEU DE UMA GENUÍNA VOCAÇÃO
Costuma dizer-se que a medicina, a religião e o ensino deveriam ser profissões guardadas para aqueles que sentem verdadeira vocação. Sabemos também que são raros esses casos ideais. Mas existem. Tive o privilégio de conhecer um deles em Macau na pessoa da irmã Gertrudes do Nascimento, madre Pia para a maioria das pessoas.
Nascida na Madeira, em 1920, teve uma infância muito feliz, rodeada por 12 irmãos e uns pais extremosos e bons cristãos "no verdadeiro sentido da palavra", diz. Desde criança que gostava de ouvir os sermões e explicações da palavra de Deus e de ler a vida dos santos, que ambicionava imitar. Um dia. com 14 anos, adoeceu com quistos num dos braços e, durante 6 meses, fez todos os tratamentos e operações locais possíveis na época. Os pais foram obrigados a mudar-se para o Funchal e dispenderam muito dinheiro tentando curá-la. "A minha mãe amava cada um de nós como se fôssemos filhos únicos. Durante a minha doença sofreu profundamente e eu só tinha pena do desgosto que estava a dar aos meus pais. Rezava todos os dias pedindo para me curar depressa para Ihes dar alegria. Foi quando prometi oferecer a minha vida e saúde ao serviço de Deus."
Acabou por ser tratada por um médico que utilizava métodos considerados "estranhos" mas, sem dúvida, eficazes. A jovem Gertrudes nunca disse a ninguém o desejo que tinha de seguir a vida religiosa. Recorda que as conversas das amigas não lhe davam grande prazer e sentia que quando estava sozinha era outra. Mas era muito alegre, traquinas até. A casa dos seus pais tinha sempre muita gente nova, amigos dos irmãos e diz a sorrir que sabia que tinha simpatias e que queriam arranjar-lhe casamento. Evitava sair com medo de perder a vocação. Mas esta era cada vez mais forte. Aos 21 anos disse aos pais que se queria apresentar no Convento de Santa Clara no Funchal. A mãe chorou todo o dia. E a jovem Gertrudes lá foi, acompanhada pela irmã mais velha. Diz que é raro as superioras dizerem sim logo após a primeira entrevista. Mas consigo aconteceu; pediram-lhe para tratar do enxoval, que, na época, obedecia a regras rigorosíssimas. Entrou para o Convento em Novembro de 1941. E foi feliz desde o princípio, di-lo sem a menor hesitação e com a cara iluminada por um sorriso. O seu sonho era ser missionária, vir para a China baptizar, espalhar a palavra de Cristo. Para tal era necessário passar 2 anos de preparação no Colégio Missionário
Publicação Agosto 2010