A venda da Fortaleza

Uma das histórias mais correntes em Macau será, sem dúvida, a ocorrida na década de sessenta e que se prende com a tentativa de venda de uma das fortalezas, quando era comandante militar o coronel Eduardo Luís de Sousa Gentil Beça1.

Quanto à fortaleza em si, correm duas versões, havendo quem relacione o facto com a do Monte, enquanto, outros defendem ter sido a da Barra. Tanto quanto consegui apurar, junto de fonte fidedigna, tratou-se, efectivamente, da tentativa de venda da Fortaleza da Barra, onde se encontra instalada a Pousada de S. Tiago.

Envolveu um construtor civil, de etnia chinesa, interessado em adquirir um terreno para construção e que foi descrito ao comandante Militar, como tratando-se de alguém muito apreciador da história militar portuguesa e desejoso de poder visitar a Fortaleza da Barra.

Obtida a necessária autorização para a visitar, o interessado mostrou-se satisfeito e manifestou ao prestável intermediário a intenção em avançar com o negócio. Este comprometeu-se a arranjar-lhe um encontro com o comandante militar e, para tal, com o pretexto de agradecer o facto de este ter proporcionado a visita, convidou-o para um jantar alegando que, reconhecido, o dito construtor pretendia obsequiá-lo. Sem desconfiar de nada, o coronel Beça anuiu e, logo ali, foi acordada a data, a hora e o local do repasto,

No dia aprazado compareceram e, visto que nem o Comandante militar nem o construtor dominavam uma língua comum, foi o intermediário que serviu de elo de ligação entre ambos. O construtor estava impaciente e, às tantas, quis saber se o comandante militar estava ou não disposto a efectuar a venda da Fortaleza. Interrogou o intermediário que foi peremptório e, para acalmar o seu interlocutor, virou-se para o coronel Beça perguntando-lhe se estava a gostar do jantar. Como não podia deixar de ser, até por mera questão de boa educação, a resposta foi imediata e afirmativa. De pronto, o intermediário disse ao construtor que o assunto estava arrumado o que, naturalmente, o deixou muito satisfeito.

No entender do intermediário, não era ocasião adequada para, ali, ser estabelecido o montante exacto da transacção, tendo feito notar ao construtor que, no entanto, seria preciso pagar, como sinal, uma quantia, para além de ficar sempre bem a oferta de uma boa lembrança ao comandante militar. O construtor manifestou a sua total concordância e, no final do repasto, despediu-se efusivamente do coronel Beça e, depois de ter pago a conta, abalou do restaurante na companhia do intermediário.

Passados dias o construtor entregou ao intermediário a quantia que deveria servir como sinal, para além de uma outra destinada à aquisição de uma boa lembrança.

Só muito mais tarde o comandante militar veio a saber da marosca, tendo sido instaurado ao intermediário um processo o qual culminou com a sua condenação em Tribunal, o que o obrigou a ter que cumprir, em Timor, uma pena de prisão maior.

 


Publicação Agosto 2010