"Api", de múltiplos talentos
Desde a sua juventude, o Rigoberto Rosário Jr., mais conhecido por "Api", nascido em Macau, já mostrava o seu talento na música, pois para compor uma, era só um instantinho!!! Assim já no início dos seus 20 anos, tinha composições que alcançaram sucesso, podendo citar, She´s in Hong Kong, Minha Tristeza e aquela canção que se tornou uma espécie de hino para a gente macaense - Macau, que foi gravada em disco com o seu conjunto The Thunders. A música, mesmo decorridos 40 anos, ainda causa emoção quando tocado em público, despertando um sentimento enorme de saudades pela terra por aqueles que estão longe dela, ou mesmo pelos velhos tempos daquela Macau de vida tranquila que resistia à modernidade.
O talento do Api não fica só na música, mas se estende pelas artes, pinturas, desenhos, informática, trabalhos manuais, escrita, inclusive um que poucos conhecem, o de restaurador de imagens sacras. Em 2010, com o auxílio dos recursos da informática, já partiu para produção própria especializando-se em arranjos e execução das suas inúmeras composições, ainda guardadas na gaveta, embora uma parte audíveis neste portal. Hoje o Api desempenha uma carreira musical própria, já sendo requisitado para fazer arranjos para iniciativas, tal como, a nova peça teatral do Dóci Papiaçam di Macau chamada Sabroso, ou as peças teatrais da associação macaense de São Paulo. O que ainda lhe falta, é um disco próprio, comercial, das suas composições, para enfim termos algo palpável para o reconhecimento deste talento macaense. É uma questão da gente macaense saber reconhecer o talento da sua própria gente!!!
Nesta sua nova fase, gravou experimentalmente a nova versão da sua composição, a canção Macau, porém instrumental a nível de uma orquestra sinfónica, com os recursos que a informática permite, isto é, tudo sózinho.
*Leia a entrevista que o Api concedeu ao PMM e publicada no Jornal Tribuna de Macau de 02/02/2010
RIGOBERTO ROSÁRIO JÚNIOR, MÚSICO MACAENSE A VIVER NO BRASIL
“Teria muita honra em reger a Orquestra de Macau”
Rigoberto Rosário Júnior (também conhecido por Api), autor da canção Macau e membro dos The Thunders, experimenta nova fase da sua vida musical. Nesta entrevista, revela um facto desconhecido pela maioria: o seu reconhecido talento musical não se deve apenas à experiência mas também aos conhecimentos da teoria musical adquirida através de estudos em escola de música. Esta nova fase surge no CD experimental cedido para divulgação no portal na internet “Projecto Memória Macaense”
Nele, Rigoberto faz uma incursão na área da música erudita ao escrever os arranjos para a tradicional música “Macau”, que ele própria executa e grava, com domínio na área de informática e dos instrumentos musicais - o teclado, a bateria e a viola. Apesar das limitações do teclado , “adquirido dentro das suas possibilidades financeiras”, foi-lhe possível executar a música, tal como uma orquestra, o que dá uma nova dimensão à canção que os macaenses consideram como o seu hino.
Os arranjos que ele escreveu, seguem rigorosamente as regras musicais de uma partitura para cada instrumento, o que o leva a sonhar em reger uma orquestra de Macau, quem sabe, no Festival de Música em Macau, como nos confidenciou.
Um sonho de partilhar com a sua gente, uma versão instrumental da música, cujas letras foram escritas numa fase “romântica” da RAEM que hoje traz o cheiro de convivência harmoniosa de duas culturas.
Em 1996, por ocasião dos Jogos da Lusofonia, Rigoberto revelou também a outra face dos seus vários talentos artísticos. Como um artesão, expôs em Macau várias miniaturas que reproduziam ambientes dos tempos antigos da terra, tal como o restaurante Va Ih, etc. Outro talento, talvez também pouco conhecido, encontra-se na sua intimidade com o desenho e a pintura, que até hoje pratica tanto profissionalmente como particularmente.
Algumas obras estão expostas no portal Projecto Memória Macaense e na Casa de Macau de São Paulo, tendo também como base, temas que falam da gente e as coisas de Macau.
Actualmente possui um vasto repertório de música com composições próprias, “o suficiente para produzir um CD” como diz. São músicas cujo tema principal, novamente, é Macau, com letras em patuá, português, inglês e chinês-cantonense, cantadas em vários estilos musicais.
Confessa, que tem uma grande vontade de poder gravar um CD próprio, e compartilhar as canções com a comunidade macaense, “quem sabe, talvez num Encontro das Comunidades Macaenses” diz com um tom sonhador. É que, como complementa: “nos meus 60 anos ainda quero permitir-me sonhar”.
Rogério P.D. Luz – Recebi um CD com números musicais que me intrigaram um pouco.
São músicas clássicas. Estudou música para conseguir executar e fazer os arranjos de peças eruditas?
Rigoberto Rosário–Pois, já me fizeram esta pergunta muitas vezes e até algumas revistas e jornais de Macau escreveram que eu compunha canções sem saber ler uma única nota musical. Isto não é verdade. Foram apenas mal informados.
–Quando e onde estudou música?
-Estudei música aos 11 anos de idade. Aprendi os primeiros solfejos no Colégio D. Bosco, assim como todos os meus colegas da classe. Era uma matéria/disciplina obrigatória para todos os alunos. Nunca fui um bacharel da matéria.
–Continuou a estudar música?
– Insisti com o meu avô materno para que ele pagasse as minhas aulas de música, já que ele foi um dos membros da orquestra do Dr. Pedro Lobo e era o único da família que desconfiava que eu tinha “aptidão para música. Por infelicidade, ele veio a falecer antes que conseguisse matricular-me no Conservatório de Música do Centro Católico de Macau (que tinha uma mensalidade bastante alta sendo director o Padre Áureo). Com o falecimento do meu avô, como era de costume em Macau naquela época, fiquei de luto por 3 ou 6 meses, não me recordo bem. Então fui economizando a “semanada” que recebia dos meus pais (de luto não se podia ir ao cinema que era o único entretenimento da altura) e assim, no final do luto percebi que tinha dinheiro suficiente para comprar uma guitarra acústica, que já vinha “namorando” há tempos através da vitrina duma loja de instrumentos musicais na Rua do Campo. Não hesitei. Fui e comprei. Voltei para casa todo feliz, arranhando as cordas de aço e sem conhecer sequer a afinação do dito instrumento.
–Quem foram os primeiros professores de guitarra?
–Várias pessoas, além dos livros que comprei no Chico Chai, loja que vendia e alugava materiais de música. Comecei dedilhando os acordes que o Neco Barros, Roque Cruz, Zeca Espírito Santo e outros me tinham escrito. Passei depois a praticar a leitura das partituras, tocando o instrumento e lembrando os solfejos que aprendi no Colégio D. Bosco. Fui bastante auto-didacta. Praticava pelo menos três horas por dia. Um dia, a minha mãe trouxe uma partitura de uma música do tempo da juventude dela, que eu nunca tinha ouvido, e disse-me para tocar, num tom desafiante. Pois, coloquei a partitura na minha frente e toquei a peça. Todos da família ficaram pasmados, pois nunca acreditaram que eu tivesse “jeito para música”, com excepção do meu falecido avô materno. Tinha então 12 anos de idade.
–E depois?
-Aos 13, comecei a fazer parte de conjuntos musicais em Macau, mas nunca usei notas musicais, porque não havia necessidade, apenas os acordes (cifras). Compus “A minha tristeza” aos 13 anos e registei-a numa partitura, com todas as regras musicais que aprendi com o padre Brianza do colégio. Quando me mudei para Hong Kong com o conjunto Thunders, tive oportunidade de conhecer muitos músicos profissionais e fiz grande amizades que conservei até hoje. Matriculei-me numa “escola de música para músicos” que havia no prédio onde funcionava o Sindicato dos Músicos Filipinos (Filipino Musicians Union), e só fui aceite em razão das amizades, porque não sou filipino. Isso foi nos anos 70/71.
–Durante quanto tempo?
–Estudei mais de dois anos e aprendi quase tudo sobre arranjos musicais. Não era uma escolinha para iniciados, pois o requisito mínimo era o conhecimento de solfejo. Aprendi a história e limites de cada instrumento musical de cordas, madeira, metais e percussão. Depois tive aulas de arranjos musicais para bandas de até 12 elementos, regras, afinação de cada instrumento, etc. Enchi a cabeça de notas musicais, mas saí dali mais “culto” musicalmente.
–Quando foi que fez o primeiro arranjo musical?
–O primeiro, profissionalmente dito, fi-lo para a cantora Rowena Cortes (hoje famosíssima na Ásia). Fui contratado para compor uma música/jingle para propaganda do Parque de Diversões Lai-Chi-Kok, para ser transmitida nas rádios e no próprio local. Escolhi a Rowena porque ela sempre foi uma boa cantora e era uma criança naquela época (voz certa para chamar outras crianças ao parque), e levei o Thunders como conjunto de acompanhamento.
Escrevi a canção numa partitura para ela e em apenas meia-hora de ensaio, gravamos uma versão em inglês e outra em cantonês. Um outro arranjo, mais sofisticado, foi feito para propaganda das canetas Parker que foi transmitido nas TVs de Hong Kong. Foi um arranjo para nove músicos, incluindo instrumentos de sopro. Compus a melodia e fiz o arranjo, mas não tive o poder de contratar os músicos, porque a própria agência já o tinha feito. Deparei-me com músicos filipinos experientes no estúdio e quase fugi pela porta dos fundos, apesar de já ter amizade com alguns deles. Na hora que marquei o tempo para começarem o número, fiquei gelado enquanto esperava a reacção deles sobre as partituras que acabaram de executar. Olha, saiu tão perfeito que poderia ter gravado logo no primeiro “take”. Até brincaram: “Você não podia simplificar o arranjo?”, etc.
–Aconteceram outras gravações de jingle ou discos?
–Como arranjador, não. Participei das gravações de vários discos (colecção de músicas
instrumentais), como guitarrista, produzidos pelo ex-guitarrista do Lotus (Wallace). A leitura de partitura era obrigatória nesse projecto. Eu lia e tocava, porque praticava três horas por dia, sem contar as horas de trabalho nocturno com o Thunders. Participei também das gravações para o fundo musical de dois filmes. Um chinês (género kung-fu) e outro de produção australiana. Foram boas e novas experiências para mim.
–E no Brasil?
–No início foi uma decepção. Sonhei em explorar o vasto mercado musical logo à chegada, mas não consegui. Não conhecia ninguém no meio artístico. Os músicos brasileiros que conheci em Hong Kong ainda não tinham regressado ao Brasil. Fiquei tão desiludido que decidi vender a guitarra Gibson que trouxera comigo. Mesmo assim, era difícil de vender, porque o preço era altíssimo para qualquer músico da noite no Brasil, nos anos 70. Como trabalhava numa companhia aérea brasileira, tive um colega que conhecia a famosa cantora Rita Lee e ela interessou-se em avaliar a minha guitarra, com possibilidade de comprá-la, já que ela era rica. Fiquei feliz com a oportunidade, mas ao mesmo tempo triste, porque sabia que dali para frente a minha carreira de músico terminaria.
–Vendeu a guitarra à Rita Lee?
–Olha, foi por um triz. Chegou até marcar a data para eu lhe levar a guitarra. Numa bela tarde, no balcão da companhia aérea em que trabalhava, vi um sujeito a acenar-me através da vitrine. Era um dos músicos brasileiros que conheci em Hong Kong que estava de volta. Não só ele, mas com a banda que trabalhou por toda a Europa e que precisavam urgentemente de um cantor-guitarrista. Nem pensei duas vezes. Marcamos a data e fui-me encontrar com os demais membros da banda e acertamos tudo.
–Começou então a nova fase no Brasil?
–Não de imediato. Surgiram novos pesadelos. Ninguém me tinha informnado que para poder trabalhar no Brasil era obrigatório ter a carteira de músico. E para ter a dita carteira, teria de prestar um exame prático na Ordem dos Músicos do Brasil, que consistia em tocar o instrumento escolhido, lendo uma partitura pré-escolhida pela mesa julgadora. Surgiu um samba na minha frente. Tremi. Levantei-me para sair da sala, pedi desculpas e expliquei que havia chegado no Brasil recentemente e não sabia tocar ainda o complicado samba. Ao verem a minha honestidade e humildade, deram-me um bolero mexicano que conhecia bem (“Adios Marequita Linda”). Toquei e passei.
Saí desse pesadelo para entrar noutro. Aprender a tocar samba de verdade. Os elementos da banda foram muito camaradas, ensinaram-me passo a passo até eu entender a raiz do ritmo. Pensei que samba era só samba, e pronto. Mas não é. Existem vários tipos de samba e tive que aprender todos. Foi assim que consegui seguir a carreira de músico no Brasil. Viajei muito pelo País com a banda e ganhei muita experiência, graças a estes primeiros músicos brasileiros que conheci em São Paulo.
–Trabalhou com outras bandas brasileiras?
–Sim, bastante. Até fui um dos cantores de uma orquestra de 25 músicos que tinha um repertório dos anos 50 e 60 e eu era encarregado das canções do Frank Sinatra e Tony Bennett. Cantar com uma orquestra desse tamanho é outra coisa. O som arrepia mesmo.
–E agora, porquê música erudita?
–Não é pela idade porque estou longe de me aposentar. Estou a estudar para o próximo passo que será a música sacra. Já foi tudo acertado para eu reger o coro de jovens da paróquia do meu bairro e pretendo adicionar alguns instrumentos musicais como violino, violoncelo, oboé, contra-baixo, além do órgão de tubos. Uma mini orquestra de câmara. É uma nova experiência para mim. Não será música gregoriana, caso fosse não haveria algum instrumento de acompanhamento. Talvez chegarei lá um dia.
–Então havia má informação sobre os conhecimentos musicais!?!.
–Claro que estava. Se eu fizesse composições, arranjos e executasse músicas eruditas sem saber uma única nota musical, eu seria um génio. Mas não sou. Sou apenas um músico e pessoa normal.
–E se surgisse um convite para fazer arranjos musicais e reger a Orquestra de Macau, numa apresentação, o Rigoberto aceitava? Ou digamos, reger uma orquestra na sua terra natal para execução, entre outras músicas, da famosa “Macau” de sua composição, tal como esta versão inédita com os arranjos que escreveu e tocou num CD para divulgação no Projecto da Memória Macaense?
–Seria uma honra e fá-lo-ia com todo prazer.
Divulgação Julho 2010