CENA RIBEIRINHA NO CREPÚSTULO DO OUTONO
Na viagem de regresso, as aves
apesar da fadiga
transportaram no dorso o sol poente
Agitando as asas com rapidez
deixam cair os últimos raios de luz
transformando, por um instante, numa encantadora mulher
as brancas plantas do rio.
Liu Da Bai – (1880-1932)
texto de Armanda Rodrigues
revista Nam Van
nº 8 - 01/01/1985
foto - Rogério Luz
LlU DA BAI desempenhou
um papel de capital importância no estádio preliminar do Movimento da Poesia Moderna. Dado que Liu e os poetas modernos seus
contemporâneos foram extremamente influenciados pela poesia clássica, os seus trabalhos mantiveram, numa certa medida, o estilo
classicista. Com excepção da forma literária dos novos poemas em que o estilo coloquial era usado, as construções de imagens
e o método de expressão eram na verdade bastante idênticos aos do período clássico. Assim, esta torna-se a principal característica
dos poemas da altura. os versos de Liu não constituem excepção. No prefácio à sua primeira colectânea de poemas, intitulada
«Os Velhos Sonhos», Liu revela que tendo permanecido debruçado durante cerca de trinta anos sobre a poesia clássica seria
inevitável deixar transparecer na sua escrita relances dela. Além disto, os seus poemas envolvem também a sombra das rimas
folclóricas, cuja forma ele aplicava com o propósito de ilustrar a vida dos camponeses pobres. Em algumas passagens da sua
obra encontra-se pois o desabar de um espectro intenso de rimas populares das regiões rurais. Por outro lado, Liu tentou com
muito ardor escrever poemas de puras e exclusivas características modernas, mas embora tenha alcançado um certo sucesso nesta
sua empresa, apesar de oculta como pano de fundo adivinha-se a influência da poesia clássica. «Cena Ribierinha no Crepúsculo do Outono» constitui disto um bom exemplo. O poema descreve exactamente aquilo que
o poeta vê num fim de tarde outonal, mais precisamente os momentos do pôr-do-sol e da luminosidade que lhe sobrevém. O cenário
assemelha-se muitíssimo ao de uma pintura, com a diferença de que os objectos que nele figuram se encontram em movimento e
não inactivos. A primeira estrofe sugere um vívido esboço de aves que retornam ao 'lar', cansadas da viagem, após a forçada
emigração invernosa. Entretanto, cai o entardecer. Os últimos raios atingem o dorso e as asas dos pássaros como se estes transportassem
o sol poente de volta aos seus ninhos. A cena lembra imediatamente os versos da poesia Sung:
Alinhados diante do sol poente,
milhares e milhares de corvos;
Em baixo corre o rio,
em volta da aldeia solitária.
As paisagens crepusculares quando descritas pelos poetas possuem
muitas vezes uma metáfora de profunda amargura que é tocante e apela ao enternecimento. A do poema de Liu é comovente pelo
sol que se esvai e nostálgica pelo seu tão fugidio perdurar. Frequentemente, as paisagens cheias de beleza existem apenas
por um breve instante e isto faz com que as pessoas se tornem relutantes. Os dois primeiros versos da segunda estrofe dão-nos
uma imagem mais profunda das aves que sobrevoam o rio. Os raios de sol que se esconde reflectem-se no seu dorso. À medida
que as suas asas esvoaçam o poeta nota o reflexo invertido nas águas do rio dos raios que parecem ter tombado das asas dos
pássaros. As aves estão fatigadas, mas transportam os feixes de luz que não constituem um fardo pesado para elas. Contudo,
na visão do poeta, são os próprios pássaros que trazem os raios de sol para enfeitar o rio e colori-lo. Assim, todo o cenário
se encontra em movimento.
Os últimos dois versos centram-se nas plantas ao longo do rio.
A luminosidade que se espraia após o sol ter desaparecido na linha do horizonte empresta cor às águas ornamentando igualmente
a vegetação. Num instante efémero as sumidades brancas das plantas transformam-se numa jovem e encantadora mulher.
As asas das aves que regressam, as sumidades das plantas, a paisagem
como um mosaico de tom carmesim - com estes elementos se constrói o quadro de uma cena ribeirinha no crepúsculo do Outono.
O poema, além de ser de uma grande riqueza imagística, contém
o ritmo e o tom da poesia clássica. Através dele o leitor conseguirá aperceber-se do estilo próprio do poeta.
(revista Nam Van era uma publicação do Gabinete de Comunicação
Social do Governo de Macau)