Partilhar os doces festivos


Cecília Jorge - série Tacho do Diabo

Revista Macau - Janeiro 1994

 

Nas celebrações do Ano Novo Lunar, o tai long kôu—o pudim de ano novo — torna-se tão indispensável e importante para os chineses como o bolo-rei para os portugueses em período natalício

 

Se existe algo que denuncia claramente a influência chinesa na forma de vida da comunidade de ascendência portuguesa em Macau é, decerto, o seu apego à gastronomia festiva (chamemos-lhe assim) da outra comunidade que com ela coabita, há séculos, neste pequeno território.

E quando falamos em gastronomia festiva, vamos, inevitavelmente, dispersarmo-nos pôr uma série de "doces", pastéis e pudins não facilmente qualificáveis na classe dos doces e salgados. Isto porque, de um modo geral, entre os chineses, nem sempre os doces são apenas adocicados e comidos como sobremesa ou merenda, nem os salgados o são completamente. E assim, pelos paladares imprevisíveis se afugenta grande parte dos que não se conseguem (ou não querem) adaptar, ou assimilar os hábitos da comunidade chinesa, mesmo em situações de longa permanência em Macau.

 

Estão neste caso os bolos lunares ou bate-pau, como lhes chamam, há muito, os macaenses, pelo exótico método ainda hoje utilizado para fazer caber a compacta massa nas trabalhadas, mas apertadas, formas de madeira, e as retirar depois de lá... à paulada!

 

As variedades tradicionais são muitas, indo desde as que têm recheio de pasta de sementes de lótus, de sésamo preto, de amêndoa, e de feijão encarnado com gemas de pato salgadas, às que incluem pevi-des de melancia, pinhões e... toucinho picado. Mas o talento inventivo dos orientais, aguçado por uma espantosa vocação para o negócio que cavalga à rédea solta no consumismo dos patrícios, em Macau e Hong-Kong, já adicionou mais alguns gostos, possivelmente mais do estilo dos ocidentais: bolos lunares de chocolate ou em jeito de sorvete.

 

A forma do bolo é que parece ter-se mantido a mesma — a justificar, é claro, o motivo da festividade. ou seja a lua cheia, a décima quinta do oitavo mês lunar.

 

Mas outros doces-salgados festivos continuam a povoar as recordações e a tornar gostoso o presente de quem nasceu e cresceu (ou amadureceu) em Macau: as lapas ou catupás, a que os cantonenses em Macau vulgarmente chamam tchông. Um pudim de arroz glutinoso, salgado, com recheio de carnes fumadas e camarão seco (ou "doce", com açúcar e gema de ovo salgada), que se coze em vapor, envolvido em folhas de bananeira e preso com atilho vegetal. Come-se, impreterivelmente, por altura da festividade dos barcos-dragão, antes de Junho, mas o pregão dos tchông, ao cair da noite, quase todo o ano, denuncia a intensa clientela dos vendilhões da cozinha ambulante.

 

Na quadra do Ano Novo Lunar — a mais popular e, decerto, a mais festiva entre os chineses de Macau — temos uma lista enorme de doces tradicionais festivos a apelarem à gulodice dos macaenses. Contam-se entre os favoritos o lo pak kou, ou bebinca de nabo (ou de rábano), de que já se falou numa das primeiras edições de "O Tacho do Diabo", os tchin tôi, ou frituras de sésamo com recheio de feijão doce, e ainda o tai long kou, o pudim do Ano Novo, que é presença tão indispensável nas mesas postas para o Ano Novo Lunar chinês, como o é o bolo-rei nas mesas portuguesas no Natal e no dia de reis.

 

São estas as duas receitas que apresentamos, como forma de nos solidarizarmos, na quadra que se aproxima, com quem se encontra fora de Macau. Não podendo ir comer os tchin tôi directamente nas tendinhas de frituras, felizmente ainda um pouco espalhadas por Macau, ou fazer a encomenda dos pudins de Ano Novo nas velhas casas da especialidade, na rua de São Domingos, poderão assim tentar fazer reviver a tradição.

E lembrem-se que miscigenação também se traduz na forma como os Macaenses comem as fatias de tai long kôu, fritas, caramelizadas, a fazer colar os dentes, e com bastante leite condensado.



Receita

TAI LONG KOU (PUDIM DE ANO NOVO)

 

Farinha de arroz glutinoso – 1 quilo

Jagra (açúcar de cana em tablete) – 1 quilo

Água – 6 dl

Sumo/suco de gengibre – 1 colher de sopa

jujuba (para decorar)

óleo (para untar as formas)

folhas de bananeira (opcional)

 

Levar a jagra ao lume, em 5 dl de água, até derreter. Deixar esfriar a água até ficar morna, e juntar ao gengibre e à farinha de arroz, mexendo bem para não criar grumos.

Untar uma forma grande ou várias pequenas com óleo e deitar-lhes a pasta (ou forrar a(s) forma(s) com folhas de bananeira, bem limpas e untadas com óleo).

Decora-se com uma jujuba ao centro.

Colocar a forma num tripé e dentro de um tacho com bastante água, para cozer o pudim em Banho-maria durante pelo menos três horas. Deixar esfriar.

Come-se frio, cortado em fatias, ou aloirado em pouco óleo, acompanhado de leite condensado ou simples.


Receita

TCHIN-TÔI (FRITOS DE SÉSAMO E FEIJÃO)

 

farinha de arroz glutinoso – 600 gramas

farinha de trigo – 175 gramas

batata doce (descascada) – 250 gramas

feijão encarnado (em purê) – 350 gramas

açúcar – 3 colheres de sopa

sementes de sésamo (demolhadas e escorridas) – 125 gramas

água – 1,5 dl


Para fazer a massa, cortar as batatas doces em quartos e cozê-las em vapor, esmagando--as depois em purê, de preferência manualmente, com um garfo.

Juntar o purê de batata ao açúcar e às duas qualidades de farinha (que se peneiram juntas), adicionando aos poucos a água para ligar, sovando bem a massa, formar pequenas bolas de aproximadamente 5 cm de diâmetro, nas quais se carrega com um dedo para fazer um buraco que se enche com uma colherinha de purê de feijão, voltando a fechar.

Rolar as bolas nas sementes de sésamo carregando-as bem para fazer agarrar bem as sementes à massa e obter uma cobertura completa.

Fritar as bolas em óleo bem quente, até insuflarem e tomarem uma cor doirada. Convém colocar bastante óleo na frigideira para poder empurrar as bolas para o fundo, e fritá-las por igual.

 


Publicação Novembro de 2011