Pronunciamento e entrevistas 2 anos antes da transição

de Macau para a R.P. da China em 20/Dez/1999


 Jorge Sampaio

Presidente da República de Portugal


Caminhos de um novo princípio

 

publicado no A-Ma Gau - Ecos de Macau

 

Estou certo que se podem consolidar as condições indispensáveis tanto para o estrito cumprimento da letra e do espírito da Declaração Conjunta, como para o desenvolvimento continuado das relações entre Portugal e Macau

 

Nas vésperas do fim do século, já daqui a dois anos, Macau vai começar um novo ciclo da sua história, que devemos encarar com serenidade e confiança. 


Os marcos fundamentais desse novo ciclo estão definidos, com rigor e clareza, pela Declaração Conjunta sobre Macau. Esse acordo solene entre Portugal e a República Popular da China garante um quadro de continuidade essencial das instituições, da leis, do modelo económico e da maneira de viver própria da comunidade do Território, que, assegura a sua autonomia, durante os cinquenta anos seguintes à transferência de poderes da administração portuguesa para a Região Administrativa Especial de Macau. 


Até ao fim do período de transição, Portugal e a República Popular da China devem empenhar-se em manter o espírito responsável e construtivo que tem caracterizado as suas relações na preparação da transferência de poderes em Macau e, paralelamente, abrir novos caminhos para a cooperação bilateral. Por outro lado, a administração portuguesa do Território tem como prioridade assegurar a estabilidade política, a prosperidade económica e o desenvolvimento social e cultural de Macau, que são essenciais para garantir a tranquilidade da comunidade, nesta fase crucial. 


Nesse contexto, estou certo que se podem consolidar as condições indispensáveis tanto para o estrito cumprimento da letra e do espírito da Declaração Conjunta, como para o desenvolvimento continuado das relações entre Portugal e Macau, designadamente nos domínios económicos, sociais, jurídicos e culturais, que são os mais relevantes para a defesa da especificidade do Território. 


Todos temos uma consciência profunda dos sentimentos de incerteza que acompanham, naturalmente, os processos de mudança. Porém, o longo percurso de Macau mostra-nos um excepcional capacidade da comunidade do Território para se adaptar a novas situações. Nesse sentido, não só no presente, mas também no passado, há boas razões para ter confiança e encarar as oportunidades do futuro como um novo princípio para Macau. 


Jorge Sampaio

Presidente da República

Macau 20 de Dezembro de 1997

 Jorge Rangel - entrevista

China herdará boa Administração

Entrevista com Jorge Rangel

Secretário Adjunto para a Administração, Educação e Juventude

 

publicado no A-Ma Gau - Ecos de Macau

 

«Posso dizer que Macau terá uma boa administração pública em 1999, com dirigentes bem formados académica o profissionalmente» garantiu ao DN o secretário-adjunto para a Administração, Educação o Juventude, Jorge Rangel, no decurso de uma entrevista em que aborda alguns pontos polémicos da transição

entrevista de Gilberto João Lopes


Diário de Notícias - A dois anos da transferência da Administração, a localização de quadros ainda não está concretizada. Em Dezembro de 1999, a China vai herdar uma máquina administrativa capaz de evitar rupturas?


Jorge Rangel - Quando foi assinada a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, em 1987, o número de quadros locais qualificados era reduzidíssimo. 0 que se conseguiu de então para cá, e especialmente nos últimos anos, foi verdadeiramente notável, graças a um enorme esforço de formação e valorização de quadros. Hoje a Administração de Macau tem muito pessoal local com boas qualificações académicas e profissionais e preparação para ir assumindo funções de crescente responsabilidade, o que está, aliás, a acontecer na generalidade dos serviços públicos. Ninguém deve ignorar que o chamado «processo de localização» é uma das mais difíceis tarefas do período de transição, mas tudo está a ser feito para que a máquina administrativa não conheça rupturas em 1999. Vários são os serviços que já têm os seus directores e subdirectores localizados e, no ano de 1998, vamos ter avanços muito significativos neste processo, com mais e mais pessoal local em lugares de direcção e chefia. As últimas nomeações deverão ser feitas em 1999.


No dia 20 de Dezembro de 1999 continuarão nos seus cargos, na futura região administrativa especial, todos os dirigentes e chefias em funções de direcção no dia anterior, o último da Administração portuguesa.


Conheço pessoalmente os novos quadros e posso dizer que Macau terá uma boa administração pública em 1999, com dirigentes bem formados académica e profissionalmente, com garantias de continuidade e motivados para se assumirem como agentes activos e empenhados na construção do amanhã de Macau. Também nesta área a missão será cumprida.

 

O ensino superior desenvolveu-se muito em Macau nos últimos anos. Que papel desempenha esse ensino neste contexto?


Em 1981, começou aqui a funcionar uma universidade privada - a Universidade da Ásia Oriental que em 1991 se converteu em instituição pública. No mesmo ano, foi também formalmente criado o instituto Politécnico de Macau. Entretanto, foi fundada a Universidade Aberta Internacional da Ásia (Macau), instituição privada associada à Universidade Aberta Portuguesa, oferecendo cursos no sistema de ensino à distância, e a Universidade Católica Portuguesa fundou, com a diocese de Macau, o Instituto Interuniversitário de Macau, que está a oferecer, para já, pós-graduações em diversas áreas. Também funcionam com autonomia outras instituições do ensino superior, para algumas áreas especializadas, tais como a Escola Superior de Turismo, integrada no Instituto de Formação Turística, a Escola Superior das Forças de Segurança, que vai formando oficiais locais para as policias e para o corpo de bombeiros, e o Instituto de Estudos Europeus. Além disso, milhares de bolsas de estudo foram facultadas para a frequência de cursos superiores fora de Macau, em Portugal, na China e noutros países. Só este ano mais de 750 novas bolsas foram atribuídas. As oportunidades de acesso ao ensino superior alargaram-se, assim, extraordinariamente. 0 investimento nos recursos humanos é o mais significativo e importante de todos os investimentos da Administração de Macau.


Se o processo da criação da Escola Portuguesa se atrasar, admite corno provável que os Serviços de Educação contratem professores para o ano lectivo de 1998/99?


A futura Escola Portuguesa tem ainda todas as condições para poder funcionar no início do ano lectivo de 98/99. 0 que importa é que a sua entidade titular, encabeçada pelo Ministério de Educação de Portugal se constitua rapidamente.


Como classifica a solução adoptada para a instalação da Escola Portuguesa? 


A opção do Ministério da Educação difere da que foi defendida inicialmente pelo Governo de Macau, que tinha indicado as instalações do actual liceu (o que já merecera a concordância do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês) e havia sugerido para sua entidade titular uma associação ou uma cooperativa de ensino, envolvendo o Ministério da Educação, entidades locais e uma ou mais entidades nacionais. Optou-se, em Lisboa, pela criação de mais uma fundação, mas há ainda posições não coincidentes das entidades convidadas para a constituírem. Qualquer que seja a solução final, o que é preciso é que sejam tomadas as últimas decisões em tempo oportuno e que a Escola comece bem, funcione com regularidade e tenha a qualidade desejada. Este é para a comunidade portuguesa de Macau o projecto mais relevante e merece, até por isso, ser bem sucedido. Cabe ao Ministério da Educação a condução deste processo e o Governo de Macau continuará a dar-lhe a sua melhor colaboração. Interessa que, entretanto, fiquem também definidas as responsabilidades financeiras e gestionárias das várias entidades intervenientes.


Os cursos de Direito da Universidade de Macau ainda não foram reconhecidos em Portugal Como e quando espera resolver o problema? 


A respectiva comissão designada pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas já se reuniu, finalmente, e deu um parecer muito positivo sobre os cursos de Direito de Macau. Brevemente poderá estar assinado o despacho conjunto para publicação no Diário da República.


A educação universal e tendencialmente gratuita está a abranger cada vez maior número de alunos. É um projecto para

 prosseguir ? 


Este foi um projecto do maior alcance social, envolvendo elevadíssimos novos encargos para a Administração. Através de acordos de associação, as escolas privadas deixam de cobrar propinas e integram-se na rede pública do ensino, passando a ser integralmente subsidiadas pelo Governo, mas mantendo a sua gestão privada.


Mais de 70 por cento das instituições educativas particulares já aderiram a esta importante iniciativa e esperamos ver esta percentagem ainda aumentada nos próximos anos.


E quantas mais escolas? 


A construção prossegue a ritmo impressionante para um Território com esta dimensão. Em média está a ser construída quase uma nova escola por mês e muitas delas de grandes dimensões (para 800 a mil estudantes). A Administração lançou em 1995 um novo plano de desenvolvimento da rede escolar, com mais 16 novas escolas, todas já inauguradas, e neste momento vamos a meio do plano seguinte que tem mais dez, ficando todas concluídas em 1998, quando o terceiro plano for lançado, abrangendo outras dez novas escolas.

A educação é, de facto, a maior das grandes prioridades da Administração.


Numa sociedade em que os jovens são com facilidade atraídos para actividades «perigosas», os apoios de que dispõe não são insuficientes? 


As linhas de acção governativa privilegiam o envolvimento da juventude na definição e afirmação dos caminhos do futuro. Como estudantes ou profissionais, os jovens têm uma palavra a dizer e um papel activo a desempenhar como construtores desse futuro. Através das suas associações e outras organizações vão tendo esta oportunidade, sendo interessante notar o extraordinário desenvolvimento do associativismo juvenil no Território ao longo da última década e meia.


Que garantias podem ter os portugueses que agora trabalham em Macau e pretendam ficar depois de Dezembro de 1999? Portugal vai criar legislação que assegure a continuidade dos seus direitos? 


A todos os funcionários dos quadros do Território, independentemente da sua origem e língua materna, foi assegurada, pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa e pela Lei Básica da futura Região Administrativa Especial de Macau, a sua permanência na Administração de Macau, sem perda de direitos. Só não ficam os que preferiram as outras alternativas oferecidas (desvinculação, mediante compensação pecuniária, integração nos quadros da República ou aposentação antecipada). 0 Governo da República Portuguesa está, entretanto, a preparar legislação para salvaguardar os direitos do seu pessoal que venha, eventualmente, a ser admitido, em regime de contrato individual de trabalho, pelos órgãos da futura RAEM, de acordo com o estipulado na Lei Básica, que prevê essa possibilidade. Quanto ao pessoal sem vínculo permanente, isto é, com contratos além do quadro ou no regime de assalariamento, os contratos vão sendo renovados ou não, conforme as necessidades dos serviços, estando o Governo da República igualmente a finalizar legislação que vai permitir a integração deste pessoal de nacionalidade portuguesa nos quadros nacionais. Os funcionários dos quadros locais optaram em grande número pela permanência na Administração da futura RAEM e muitos dos que fizeram outras opções foram desistindo delas, acabando por preferir a permanência, o que é um sinal positivo para Macau.


Como macaense considera que Portugal tratou com responsabilidade a situação de Macau ? O Império vai «fechar» com dignidade?


Esta é uma matéria que deve ficar para uma apreciação posterior. De momento devemos concentrar os nossos esforços para que a transição de Macau se faça de forma tão serena e estável quanto possível, de acordo com os grandes objectivos contidos na Declaração Conjunta que Portugal e a China firmaram. Cabe-nos cumprir a missão e, com todas as dificuldades próprias duma fase de mudança histórica, e com as demais, que têm a ver com as especificidades locais, devemos tudo fazer para que Macau possa continuar a afirmar-se, no futuro, no uso pleno da sua autonomia e no respeito pela sua identidade própria, construída ao longo de séculos de convívio, marcada por vicissitudes favoráveis e desfavoráveis e caldeada por muitos tufões naturais e políticos. Portugal esteve sempre longe e poucas vezes terá compreendido esta jóia ímpar, física e humana, que é Macau, que não deixou nunca de ter Portugal no coração. Oxalá, nestes anos finais da Administração portuguesa, os órgãos responsáveis da República nos acompanhem sempre e que a preocupação não seja a de «fechar» com dignidade o Império, como referiu, mas que nos ajudem a continuar a construir o futuro de Macau e a viabilizar a permanência dos portugueses neste espaço singular de convívio, que merece ter continuidade, ainda que num contexto político-administrativo diferente.


É natural de Macau e tem um longa experiência política. Admite permanecer no Território depois da transferência e colaborar com o Governo da RAEM? Para que funções estará disponível?


Eu, a minha mulher e a nossa única filha nascemos em Macau. São dez gerações de permanência aqui e noutras paragens deste vasto Oriente por onde os Portugueses passaram. 0 meu primeiro antepassado aqui chegado foi procurador do Senado e provedor da Misericórdia, tendo aqui aportado ainda em finais do século XVII. Exceptuando os anos de ausência para estudar em Portugal e noutros países da Europa (Espanha, Alemanha e Inglaterra, onde fiz pós-graduações) e os três anos e meio que passei nos Açores e na Guiné, onde fiz o serviço militar, além de uma curta experiência académica nos EUA, passei quase toda a minha vida em Macau. Dificilmente poderei ficar desligado de Macau, embora um dia tenha de deixar o serviço activo. Não tenho planos definitivos. A primeira preocupação é dar o meu contributo, ainda que politicamente modesto, para o sucesso do período de transição e para o sucesso futuro de Macau. Há muitas maneiras de se ser útil a Macau, que não necessariamente no Governo. Estamos a preparar uma nova geração de dirigentes e quadros superiores e é importante assegurar e concretizar a passagem do testemunho. Gostaria imenso de ver essa nova geração assumir as mais altas responsabilidades na Administração de Macau. Em quaisquer circunstâncias, o futuro chefe do Executivo e a sua equipa poderão contar com a minha colaboração, como cidadão, provavelmente numa situação bastante diferente da actual.


Macau, 20 de Dezembro de 1997

 Salavessa da Costa - entrevista

Não se pode apagar a História

Salavessa da Costa

Secretário Adjunto para a Comunicação, Cultura e Turismo

 

 Publicado no A-Ma Gau - Ecos de Macau

 

«Não se pode apagar a História de um dia para o outro e o Governo Chinês, cinco vezes milenário em diplomacia, não irá incorrer nesse erro», disse ao DN o secretário adjunto para a Comunicação, Cultura o Turismo, Salavessa da Costa, no decurso de uma conversa em que aborda também a evolução do turismo e a situação da comunicação social.

entrevista de Gilberto João Lopes

 

Diário de Notícias - Depois de em 1996 se ter batido o recorde de oito milhões de visitantes, o turismo atravessa uma crise. Quais as razões internas e externas que explicam quebra tão acentuada do número de visitantes?

 

Salavessa da Costa - O ano de 1996 foi na realidade um bom ano para o Turismo de Macau, não só pelo número de visitantes que vieram ao Território, batendo o recorde de sempre - mais de oito milhões, mas também pelas receitas geradas, que se cifraram em cerca de 3,5 mil milhões de US dólares.

 

O ano de 1997, que apresentou ao fim do primeiro trimestre um aumento de 2,7 por cento no número de visitantes, veio desde então a apresentar um crescimento negativo, face a diversos factores de natureza interna e externa, perfeitamente identificados e conhecidos.

 

O crescimento negativo referido, que tem persistido, foi mais significativo após Junho/Julho, começando no entanto a notar-se uma certa recuperação no número de visitantes vindos de Hong Kong e dos mercados internacionais, a partir do mês de Outubro.

 

Não se pode dizer que se trata propriamente de uma crise instalada, mas de uma quebra de tráfego turístico, pouco mais de 12 por cento em média, que, sendo significativo em termos do boom antecedente, é contudo sensivelmente menor se a compararmos com igual fenómeno, que se regista em quase toda a região da Ásia/Pacífico onde Macau se situa. As causas iniciais são conhecidas, desencadearam-se com as situações relacionadas com a segurança do Território, que incidiram particularmente no primeiro semestre deste ano e vieram a convergir nas crises económicas e cambial, praticamente generalizadas, em todos os países asiáticos, onde se encontram os mercados potencialmente geradores de visitantes para o Território.

 

Com grande impacte para o crescimento negativo referido, tem sido a diminuição de visitantes vindos de e através de Hong Kong, diminuição esta que, embora se registe desde 1995, acentuou no corrente ano.

 

É de notar, no entanto, que através do Aeroporto Internacional de Macau, em operação há apenas dois anos, se tem registado uma tendência de tráfego sempre crescente, apresentando até Setembro do corrente ano um aumento de 48,6 por cento em relação a igual período de 1996, num total de quase 400 mil passageiros nesses primeiros nove meses.

 

Que medidas foram já tomadas para inverter a situação?

 

A Administração está obviamente consciente da situação da quebra dos visitantes, tendo vindo a desenvolver acções para inverter esta tendência.

Em termos de estratégia promocial é de destacar:

    * A continuação da divulgação da correcta imagem de Macau, com a aposta em visitas de familiarização para os operadores turísticos e para a imprensa, não apenas a especialização em turismo, mas sobretudo a imprensa em geral, principais veículos formadores de opinião; refira-se que de janeiro a Outubro a Divisão de Relações Públicas da DST recebeu 565 media e só em Setembro visitaram o Território 164 jornalistas;

    * O aproveitamento da realização dos projectos especiais para divulgar a imagem de Macau como destino tranquilo, seguro e de qualidade, nomeadamente o Festival Internacional de Fogo-de-Artificio, o Festival Internacional de Música e o Grande Prémio de Macau;

    * Uma intervenção mais dinâmica dos representantes do turismo no exterior;

    * A divulgação e promoção das vantagens comparativas de Macau como destino turístico, com a organização de sales oriented campaings;

    * A captação de segmentos específicos de mercado, nomeadamente o segmento de Reuniões e Incentivos, para o qual se têm feito investimentos e se têm obtido bons resultados, o segmento de jovens executivos e de turismo estudantil, entre outros.

    * Em 1996 realizaram-se no Território 685 eventos, envolvendo mais de 36 mil participantes, o que significou aumentos, respectivamente, de 26,6 por cento e 70,7 por cento.

 

O que se está a fazer para assegurar a continuidade do Grande Prémio e do Festival Internacional de Música?

 

São efectivamente dois grandes eventos, de características completamente distintas, que assumem, dentro da estratégia de internacionalização de Macau, um papel absolutamente fundamental.

 

O Grande Prémio, cartaz turístico de renome internacional, é uma prova da FIA (Taça Intercontinental) no circuito mundial de Fórmula 3, com um já longo. historial de 44 provas, num circuito que é caso único na região e em quase todo o mundo.

 

No que respeita a infra-estruturas, estão criadas todas as condições para a perpetuação do Grande Prémio. Quanto à estrutura organizativa, tem vindo a proceder-se à formação de pessoas de Macau, por forma a que o controlo da corrida e as funções administrativas sejam integralmente asseguradas por responsáveis locais. Cumpre-me registar aqui o excelente apoio que temos recebido do Automóvel Clube de Portugal no que respeita à realização de cursos e acções de formação para pessoal de organização de pista (comissários, chefes de pista, etc.). Por outro lado, a participação continuada de responsáveis desportivos da Fórmula 1 na Organização do Grande Prémio contribuem, também, seguramente, para o prestígio, credibilização e divulgação do evento.

 

O Festival Internacional de Música de Macau (FIMM) tem, também, nestes últimos anos, levado o nome de Macau aos quatro cantos do mundo, sendo já por direito próprio, um grande evento de Macau, o momento cultural mais alto no panorama artístico do Território e um dos mais importantes nesta área do globo.

 

Passos seguros têm sido dados para a sua continuidade, o mais importante, a meu ver, é a conclusão em 1998 do Centro Cultural de Macau, a sua casa por excelência, dotada de todos os requisitos necessários no domínio da moderna tecnologia na produção dos espectáculos.

 

A formação de técnicos locais, em Portugal e no estrangeiro, para a área da montagem de espectáculos é outra acção que nos dá a garantia da existência em Macau de todos os meios técnicos e humanos capazes de garantir a perenidade do evento ao mais elevado nível depois de 1999.

 

Qual vai ser o futuro da informação em língua portuguesa - rádio, televisão e jornais?

 

É assunto que se considera de grande importância, não só pelo seu valor cultural e de preservação da língua portuguesa, mas também porque será, por certo, elemento fundamental para a manutenção da identidade, singularidade e especificidade próprias de Macau.

 

A garantia de que Macau vai continuar a dispor, no futuro, de meios de informação em língua portuguesa é um dos pilares da nossa política de comunicação. Em primeiro lugar, a questão remete-nos para o quadro mais geral do legado que Portugal vai deixar em Macau. Em 1999, não estaremos a fechar um ciclo, mas claramente a abrir outro, fundado nos valores, no entendimento e na cooperação que aqui sedimentámos ao longo de séculos. E um desses legados passa seguramente pela informação e pela comunicação - uma área onde deixamos salvaguardadas na lei, que há-de vigorar para lá de 99, as condições que consubstanciam direitos fundamentais como o pluralismo e a liberdade de expressão do pensamento, de que a imprensa, a televisão e a telefonia são meios privilegiados.

 

A filosofia com que conduzimos a nossa política na área da comunicação vai no sentido, em primeiro lugar, de valorizar o papel de informação como sector estratégico no período de transição e na modernização de Macau.

 

Mas vai igualmente ao encontro da nossa grande aposta em preservar e perpetuar os traços da secular presença portuguesa que enformam a identidade de Macau e são, porventura, a sua maior marca distintiva em relação à grande nação chinesa.

 

Temos dado passos decisivos nesse sentido.

 

Ao nível da rádio e da televisão, cujas concessões, como se sabe, são exclusivo da TDM (Teledifusão de Macau), recordo que enviámos em devido tempo para ratificação no Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês o Contrato de Concessão que prevê muito claramente a continuidade das emissões em língua portuguesa. Isto, para lá das condições que, também em devido tempo, criámos para a captação das emissões via satélite da RTP Internacional e da Radiodifusão Portuguesa. Recordo, neste âmbito, que antes mesmo do lançamento do satélite Asiasat antecipámos em quase três anos a captação das emissões dos serviços públicos de televisão e da Radiodifusão Portuguesa, ao investirmos numa antena gigante, instalada no Monte da Guia.

 

A curto prazo, e com a conjugação de esforços bem sucedidos de parceiros locais, chineses e portugueses, avançaremos também para a generalização das redes de cabo e televisão por subscrição. 0 projecto de contrato de concessão destes serviços, que também aguarda a luz verde do Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês, prevê igualmente, com muita clareza, a distribuição dos sinais das emissões da TDM, da RTPi e da RDP, para além do teletexto em língua portuguesa.

 

Recordo, por outro lado, que o contrato-programa entre o Território de Macau e a agência Lusa, que tem vindo a ser sucessivamente renovado há mais de dez anos, permitiu criar condições e tem subjacente a aposta recíproca na presença e manutenção da delegação e dos serviços noticiosos e fotográficos da agência, para lá de 1999.

 

Merecem também referência especial as revistas de Macau e de Cultura, que terão o seu lugar no futuro, pelo êxito e sucesso que têm constituído na divulgação deste Território e de todo o conteúdo que toma Macau único e diferente. A instituição que após a transferência de Administração terá a seu cargo a preservação da língua e culturas portuguesas, não só em Macau como no Oriente, por certo as continuará. É nesse sentido que diligências têm sido feitas.

 

Finalmente, como é sabido, temos estado muito atentos à emergência das novas tecnologias. Eis porque avançámos, também, juntamente com a CTM, para o patrocínio da instalação e abertura de contas gratuitas de acesso de toda a imprensa local à rede da Internet, permitindo vencer barreiras geográficas e abrindo caminho a um diálogo interactivo, num mundo virtual e sem distâncias, a muitas vozes e acentos da lusofonia. Estão, pois, também criadas as condições de continuidade e manutenção de Imprensa portuguesa em Macau, depois de 1999.

 

Mas, se à Administração compete abrir caminhos e criar as infra-estruturas, o que temos vindo a fazer, não podemos esquecer que as condições para o sucesso dessa imprensa são indissociáveis da presença mais geral da comunidade portuguesa em Macau e, bem assim, do desejável quadro de inserção de um conjunto de outras instituições portuguesas que aqui vão permanecer.

 

A presença portuguesa vai desaparecer depois de 99, ou acontecerá uma situação semelhante à de Malaca?

 

Como poderá desaparecer a presença portuguesa se Macau em si só é possível como único e diferente com essa presença?

 

Comparar Macau com Malaca só resulta por certo de ter que haver um ponto referencial de comparação.

 

Não podemos comparar períodos e conjunturas históricas completamente diversas, onde as causas de determinados factos, traduzidos em perdas de influências e diluição da presença, não têm qualquer semelhança com a actual conjuntura política e internacional em que Portugal se move.

 

Não se podem comparar coisas incomparáveis. Em Malaca fomos apenas uma comunidade entre muitas. Os descendentes dos portugueses, devido a circunstâncias históricas conjunturais, isolaram-se e adaptaram-se funcionalmente a uma forma de subsistência básica: tomaram-se numa comunidade de pescadores; em Macau a situação é completamente diferente, não só não se verificou essa cristalização, chamemos-lhes assim, já que o Território sempre manteve uma ligação a Portugal e aos portugueses, como, por outro lado, é patente a sua presença e influência aos mais diversos níveis da vida da cidade.

 

Os acordos celebrados entre Portugal e a China, e todos os actos negociais ligados ao processo de transição em curso reflectem a consciência plena dessa realidade por parte de ambos os Estados. Se assim não fosse, para quê estipular a vigência oficial da língua e do Direito portugueses para além de 1999? Que sentido teriam assim os requisitos relativamente ao domínio da língua portuguesa inerentes ao processo de localização?

 

Portugal terá aqui, por certo, uma representação diplomática, que não se confinará ao mero serviço consular, e todos os esforços estão a ser feitos por Portugal e Macau no sentido da presença de uma estrutura de ensino prestigiada de raiz portuguesa.

 

Importante também para essa presença será a do sector económico, que se pretende seja cada vez mais significativa e interveniente, e vão nesse sentido as múltiplas acções levadas a efeito nesse campo, visando a promoção e a aproximação negocial.

 

Quem não conhece o passado, não pode valorizar o presente. Para quando a existência de um manual de História de Macau?

 

Quanto a um manual escolar e à introdução da História de Macau nos curricula dos diversos graus de ensino, são conhecidas as diligências da tutela própria da Administração de Macau nesse sentido.

 

Se se fala em termos mais latos, existem, como sabe, diversas histórias de Macau, embora bastante antigas, mas mesmo assim úteis. Por outro lado, penso que nunca houve tão grande interesse pela História e pelo conhecimento de Macau corno agora, por parte dos investigadores, quer portugueses, quer chineses, quer estrangeiros.

 

Basta ver o volume de trabalhos de investigação, seminários, conferências e publicações que, tendo Macau como tema, se têm registado nos últimos anos. Neste domínio, e não só no campo da História, como no da Sociologia, da Antropologia, dos Estudos Literários, do Património, da Documentação, entre outros. Bastará referir a acção do Instituto Cultural de Macau com as suas bolsas e projectos de investigação; a publicação regular da Revista de Cultura em português, chinês e inglês, com todo o prestígio que já granjeou a nível nacional e internacional; a edição sistemática de inventários de documentação e de bibliografia referentes a Macau, bem como da sua colecção «Documentos & Ensaios», por exemplo; do IPOR com a colecção «Memória do Oriente»; da Comissão Territorial dos Descobrimentos Portugueses e do Museu Marítimo de Macau, ainda ao nível editorial.

 

Não posso também deixar de mencionar o esforço e a importância de que se reveste a relativamente recente publicação da Cronologia da História de Macau, da Dr.ª Beatriz Basto da Silva e o empenhamento da Fundação Macau e de outras instituições com a recente «Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China», reedição de periódicos como a Abelha da China e a Ta-Ssi-Yong-Kuo, entre outros. Por outro lado, toda bibliografia histórica produzida por homens como os reputados Charles Boxer, Austin Coates, Montalto de Jesus, Monsenhor Manuel Teixeira e Pe. Videira, entre outros, tal como a de historiadores chineses como K.C. Fok e Fei Cheng Kang, por exemplo, para além da existência de uma nova geração de historiadores portugueses, fornecem um excelente conjunto de informação disponível sobre a História de Macau, sendo também o testemunho de que o respeito e a importância devidos ao conhecimento do passado não estão de forma alguma esquecidos.


Qual vai ser o papel do Instituto Cultural no futuro?


Em minha opinião, o papel do ICM após Dezembro de 1999 vai ser mais ou menos idêntico ao que é hoje, isto é, impulsionar, divulgar e promover a cultura de Macau, resultante da vivência comum secular, através de intercâmbios culturais, incluindo, evidentemente, a cultura portuguesa, que deverá, comparativamente a outras estrangeiras, obviamente, ter um papel mais preponderante.


Creio que não se pode apagar a história de um dia para o outro, e o Governo chinês, cinco vezes milenário em diplomacia, não irá incorrer neste erro.


Julgo haver todo o interesse em que a Revista de Cultura continue a ser publicada.


É uma revista de grande prestígio internacional, distribuída em mais de 50 países, cuja eventual supressão iria empobrecer o panorama cultural e literário do Território.


Está, neste momento, a ser repensada a melhor forma. para que a Revista de Cultura continue a ser publicada após a transição de Macau para a RPC, assegurando, assim, a sua continuidade e o prestígio que tem granjeado como uma das melhores, senão a melhor, revista do seu género a nível mundial.


O papel do ICM após 99 será com certeza prestigiado, podendo ver as suas áreas de intervenção alargadas à dos museus, centro cultural e outros.

 

O que espera da presença de Macau na EXPO'98?


A Exposição Mundial de Lisboa de 1998 - Expo'98 - tem como tema central «Os Oceanos, um Património para o Futuro».


Assim, para além de uma grande festa, com a espectacularidade própria deste tipo de eventos, a Expo'98 constitui um ambicioso projecto de dimensão internacional que pretende valorizar o conhecimento e os recursos oferecidos pelos oceanos e motivar as comunidades internacionais para a importância e responsabilidade da conservação deste património face às gerações futuras, para além de salientar o papel pioneiro e decisivo de Portugal nos Descobrimentos e conhecimento dos oceanos.


Macau, símbolo vivo da sã convivência entre povos, intrinsecamente ligado ao tema oceanos, como meio privilegiado de comunicação e intercâmbio cultural e económico, participará neste importante evento mundial, procurando reflectir a identidade própria, resultado de uma história singular, e a autonomia que desfruta e que se projecta na futura Região Administrativa Especial de Macau.


Num certame muito competitivo, onde os países, territórios e entidades participantes fazem grandes investimentos em termos da qualidade das suas representações, procurando cativar os visitantes através das mais apuradas técnicas de exibição, a presença de Macau na Expo'98 envolve recursos humanos e financeiros avultados.


A participação do Território materializar-se-á em várias facetas, de que se destacam um pavilhão autónomo, numa localização nobre, na principal via do recinto; um restaurante, com capacidade para 150 pessoas, com cozinha macaense e chinesa, situado junto aos jardins Garcia de Orta, sobranceiro ao rio Tejo e a presença da lorcha Macau. A animação cultural ajudará a criar o ambiente adequado no Pavilhão de Macau e no restaurante, quer através da reprodução de quotidianos de Macau - calígrafos, adivinhos e vendedores ambulantes, por exemplo, quer através de outros elementos de animação de maior impacte, como a dança e a música, as danças do leão, do dragão, os tambores chineses, entre outros, permitindo aos visitantes uma viagem pelo Oriente e pelas vivências multiculturais do Território.

 

Macau 20 de Dezembro de 1997

Anabela Ritchie - entrevista

 

 

Acredito que a China honrará compromissos

 

Entrevista com Anabela Ritchie – Presidente da Assembléia Legislativa de Macau

 

«0 perigo do desaparecimento da presença portuguesa só existirá se a comunidade portuguesa que aqui permanecer não tiver condições, não souber ou não for capaz de criar o seu próprio espaço de existência na Região Administrativa Especíal» salientou a presidente da Assembleia Legislativa, Anabela Ritchie, no decurso de uma entrevista em que revela a sua crença de que a «a República Popular da China honrará os compromissos assumidos» na Declaração Conjunta e na Lei Básica

 

Entrevista de José Rocha Dinis

 

Diário de Notícias - A Assembleia Legislativa tem revelado algumas dificuldades na resolução de questões importantes da transição como na legislação sobre direitos fundamentais...


Anabela Ritchie - Não é bem verdade, uma vez que a AL já aprovou, no ano passado, alguns projectos que fazem parte da questão dos Direitos Fundamentais, como sejam a Lei de Protecção da Família, a Lei dos Direitos de Reunião e Manifestação e a Lei da Petição. A questão dos Direitos Fundamentais tem uma amplitude que não se limita apenas à produção de legislação ordinária. Com efeito, convém esclarecer que os chamados «Grandes Códigos» já em vigor e os que estão em fase de elaboração acolheram ou vão acolher muitos aspectos dessa problemática. Basta referir que na Assembleia deram entrada três projectos que se incluem no âmbito dos Direitos Fundamentais, como são: o «Direito de Associação» a «Alteração à Lei da Imprensa» e «Liberdade religiosa e de culto». Esta matéria está a ser acompanhada e analisada pela nossa Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pelo que não devemos dizer que nada foi feito, mas sim que o trabalho está a ser feito, porque é muito importante ter sempre presente que se está a produzir legislação para perdurar depois de 1999.


Daí que o andamento dos trabalhos não seja provavelmente aquele que na generalidade se tenha como o mais desejável. Contudo, creio que será possível durante a presente sessão legislativa apresentarmos resultados mais visíveis neste âmbito.


E quanto ao ritmo da localização?


A localização dos quadros é, de facto, um dos temas cruciais para que o período de transição decorra com normalidade e sem sobressaltos. Como tenho tido oportunidade de referir noutras situações, o processo de localização de quadros estará no bom caminho desde que assegure a necessária eficiência e eficácia da máquina administrativa. Julgo que neste ponto o consenso é generalizado. Agora, é natural que a percepção tida quanto ao ritmo imprimido poderá ser diferente, mas não vejo essa diferença como algo que divida irreversivelmente as partes. 0 que desejo que aconteça é uma procura constante e empenhada de diálogo para que o estipulado na Declaração Conjunta por Portugal e a China seja aplicado com sucesso e para beneficio de Macau. No que à Assembleia Legislativa diz respeito, os Serviços de Apoio já apresentam uma taxa significativa de localização dos quadros. Nomeadamente foi reforçada a sua componente de interpretação-tradução e decorre no momento o processo de recrutamento de quatro juristas de formação chinesa com conhecimento da língua portuguesa. Parece-nos que empreendido com segurança mas ao tempo com empenho será possível efectuar a localização dos quadros de modo a assegurar uma transição sem rupturas. As nomeações de quadros locais para os lugares de chefia só deverão ser feitas quando se tiver a garantia de que os nomeados estão aptos e prontos para assumirem em pleno as suas funções. Todo este processo é moroso, mas penso que estamos no bom caminho.


Há diferentes leituras sobre o nível de continuidade, nomeadamente da comunidade portuguesa. Acha que a fiabilidade da «máquina administrativa» poderá estar assegurada?


Qualquer saída, em sentido lato, desde que não prevista ou programada, pode provocar rupturas e penso que isso não é desejável. Agora, é necessário clarificar as situações.


Se nos referimos aos funcionários públicos recrutados à República, então a expectativa de permanência é até 19 de Dezembro de 1999, a não ser que, e isso é muito importante, Portugal e a República Popular da China acordem num estatuto de forma a permitir que esses técnicos possam trabalhar na Região Administrativa Especial de Macau a partir de 20 de Dezembro de 1999.


Por outro lado, há outras pessoas que quiseram, por opção própria, ficar para além de Dezembro de 1999, e a essas devem ser criadas todas as condições para que o possam fazer com segurança.


Além do mais, penso que esta presença humana, nos mais variados sectores de actividade, é de todo conveniente, porque através dela ficará assegurada a permanência viva da cultura e dos valores portugueses, prescindindo assim do recurso a mecanismos artificiais, para além de cumprir uma das vertentes essenciais de Macau enquanto Região Administrativa Especial.


Uma presença forte também pode servir de base para o desenvolvimento de relações entre a República Popular da China e a Europa, bem como com todo o espaço lusófono. É, portanto, mais uma razão relevante para que sejam envidados esforços no sentido de que realmente se verifique uma presença portuguesa viva.


Como natural de Macau, quais são as maiores preocupações que sente neste momento em que apenas faltam dois anos para a mudança da soberania?


Neste momento, entre outras, estou muito atenta às questões relacionadas com a futura Escola Portuguesa, o estatuto da língua portuguesa e a nacionalidade. 0 atraso na apresentação de resultados nestes dossiers deixa-nos muito intranquilos. Para que os portugueses continuem em Macau é fundamental uma Escola Portuguesa. A escola e a língua portuguesas são condições necessárias e garantias de que o alto grau autonómico e a forma de viver própria de Macau serão uma realidade efectiva e não apenas um conjunto de intenções acordado no plano formal por Portugal e a República Popular da China. Quanto à nacionalidade, o ideal é haver uma solução o mais abrangente possível, que de facto respeite o «pano de fundo histórico e as circunstâncias actuais de Macau». 0 que importa é manter um espírito dialogante e uma busca constante de pontos de convergência por forma a ultrapassar os obstáculos e, assim, encontrar as respostas efectivas para as questões existentes.


Ultimamente tem-se falado muito na Escola Portuguesa, matéria em que parece haver algumas divergências...


A criação da futura Escola Portuguesa está a criar forte polémica, porque a solução defendida por Portugal não é a mais adequada. Esta é uma opinião unânime de quase todos os sectores da Comunidade Portuguesa em Macau. A futura Escola Portuguesa não deverá ser concebida apenas como um mero estabelecimento de ensino! Entendo que devemos ser mais arrojados, mais audazes, mais corajosos, para projectarmos uma Escola Portuguesa que tenha condições para funcionar como uma espécie de Casa de Portugal em Macau. Para além da sua vertente de ensino, a vertente cultural não poderá ser menosprezada. Uma boa e dinâmica Escola Portuguesa contribuirá fortemente para que os portugueses continuem em Macau. No plano concreto, as soluções para serem boas devem ser consistentes e ter alcance suficiente para suportar a dinâmica do tempo, caso contrário, estaremos a definir cenários imediatistas sem soluções de espírito ambicioso para ganhar espaços e dimensão crescentes, o que vem de alguma forma caracterizar-se por ser uma mera e vaga intenção.


Acha que o futuro da comunidade portuguesa está devidamente salvaguardado?


Retomando, um pouco, a resposta anterior diria que se os aspectos relacionados com a Escola Portuguesa, a língua e a nacionalidade estiverem clarificados a contento de todos, haverá um ponto de partida para que os interesses da comunidade portuguesa local sejam garantidos.


Têm-me chegado mensagens de alguma inquietude e ansiedade no seio da comunidade macaense, o que me deixa com o coração pesado e a sensação de que o que tem sido feito não é ainda suficiente. Temos consciência de que seremos, porventura, os mais atingidos no processo de transição, os mais sofredores. Daí o sentimento, muito desconfortável, de incerteza e insegurança em algumas pessoas.


Durante o Verão estive em Portugal, onde me encontrei com muitos conterrâneos, para lá idos por opção, devido à transferência da Administração em 1999. Outros já partiram para o Canadá, a Austrália... É outro momento de aumento da nossa Diáspora.


Vai-nos ser, está a ser-nos pedida, tanto aos que deixarem Macau como aos que aqui permanecerem, uma enorme capacidade de adaptação. Os ventos da História vão soprar fortes, para nós, mas são imparáveis e irreversíveis. Serão as nossas mãos, a nossa inteligência, o nosso proverbial sentido de equilíbrio, a nossa serenidade, suficientes para os enfrentar?


Uma vez mais, como tantas vezes ao longo da nossa existência como comunidade, vamos ser postos à prova. Tenho fé - quero ter fé - de que seremos capazes de dar resposta, se nos forem dadas condições e apoios, nomeadamente por Portugal e pela Administração de Macau, agora e depois, para continuarmos as nossas vidas na Região Administrativa Especial. Vai ser necessário muito esforço, muita determinação, lucidez e criatividade, para sermos capazes de manter a essência do que é macaense. A comunidade macaense quer continuar a contribuir, conjuntamente com as restantes comunidades, para que a Região Administrativa Especial de Macau seja viabilizada e, é importante referi-lo, com a sua própria identidade e singularidade, enquanto grupo de marcas culturais e civilizacionais distintas, que bem mereceriam ser aprofundadas, quiçá, através da criação dum Centro de Estudos Macaenses.


Da parte chinesa, por outro lado, têm-se intensificado os apelos a que seja apressada a criação da Comissão Preparatória. Qual acha que deve ser o timing mais desejável?


Será desejável que a criação da Comissão Preparatória, da responsabilidade da República Popular da China, que porventura terá a sua dinâmica, seja concretizada no tempo próprio, por forma a permitir que se cumpram as tarefas necessárias para a formação do primeiro governo, da primeira Assembleia Legislativa e dos órgãos judiciais da Região Administrativa Especial de Macau, assegurando uma transição correcta para a nova Administração. Uma antecedência demasiado grande poderia resultar em interferência ou dificuldades, ainda que não desejadas, nas tarefas da transição que cabem à Administração portuguesa.


Em termos mais pessoais: já tem uma posição sobre o seu futuro?


Neste momento não me quedo a pensar nestas questões, uma vez que o tempo que tenho disponível está a ser utilizado para assuntos mais prementes, além de que não é possível adiantar respostas a cenários hipotéticos. No entanto, julgo que num futuro mais ou menos próximo disporei de elementos que me permitirão, em consciência, dar uma resposta mais concreta. Como filha da terra estarei sempre ligada a Macau, quer esteja em exercício de funções públicas ou em outra capacidade. De resto, costumo dizer, a brincar, que «há vida para além da política»...


Mas está optimista?


Se nos referirmos ao modelo político, é preciso não esquecer que tanto a Declaração Conjunta como a Lei Básica definem o modelo a vigorar durante cinquenta anos após a transferência de Administração e sobre isto é conveniente referir que asseguram basicamente um modo de organização e de vida inalterável, corno o conhecemos actualmente. Acredito que a República Popular da China honrará os compromissos assumidos nos dois documentos acima citados. 0 perigo de desaparecimento da presença portuguesa só existirá se a comunidade portuguesa que aqui permanecer não tiver condições, não souber ou não for capaz de criar o seu próprio espaço de existência na Região Administrativa Especial. Será com certeza um erro histórico permitir que desapareça uma presença de quatrocentos e cinquenta anos, que criou arquétipos suficientes para perdurarem, apesar da transferência de Administração.


Recordo que, em tempo oportuno, as questões relacionadas com a preservação e o reforço da presença portuguesa em Macau mereceram amplo debate, que levou à definição de um leque de estratégias e à criação de instituições, como, por exemplo, a Fundação Oriente, para prossecução desses objectivos.


Há, de facto, instituições que têm um papel muito importante a cumprir na manutenção da presença portuguesa em Macau. Espera-se que assumam as responsabilidades que lhes cabem. A História - e a comunidade portuguesa também - não perdoará que não o façam.

 


Macau, 20 de Dezembro de 1997

 


Publicação Julho 2011